MANDA QUEM PODE
O juiz Fabio Rodrigues
Fazuoli, da 3ª Vara Cível de Mogi Mirim – cidade do interior de São Paulo –
expediu uma ordem judicial proibindo menores de 18 anos de entrar no Estádio
Vail Chaves para assistir à partida entre o time da casa – Mogi Mirim – contra
o XV de Piracicaba pela quarta rodada do Campeonato Estadual de São Paulo.
A excêntrica decisão de Sua
Excelência foi tomada no sentido de garantir a integridade de crianças e
adolescentes.
Centenas de partidas de
futebol são disputadas todos os fins de semana incluindo grandes e pequenos clubes
em cidades grandes e pequenas, jogos profissionais e peladas entre amadores, e
raramente a gente tem notícia de que tenha acontecido alguma violência com
jovens que estavam nos locais dos jogos – estádios, quadras, praia ou campos de
várzea – em virtude da partida de futebol em si. Mas se Sua Excelência mandou,
cumpra-se.
É espantoso como certos
magistrados e certas autoridades se dão ares de Todo Poderoso e se acham no
direito de controlar a vida do cidadão comum de forma autocrática e truculenta.
Os menores em questão compraram
ingressos, pagaram por eles, muitos estariam acompanhados por maiores
responsáveis e mesmo assim se veem impossibilitados de ingressar no recinto do
evento.
Parece que neste Brasil às
avessas o Estado só se intromete na vida do cidadão quando não deve nem
precisa, mas se omite esplendidamente na hora de fazer o que dele se espera.
Só para dar alguns
exemplos o Estado não faz muita coisa que devia, como pagar precatórios devidos,
dar atendimento adequado em hospitais públicos, processar manifestantes que
destroem o patrimônio do próprio Estado ou entender minimamente como se
administra o país, mas acha muito fácil
ficar proibindo isso e aquilo sem o menor critério.
Se o motivo for garantir a
integridade, o Exmo. Dr. Juiz deveria proibir menores de 18 anos também de ir a
bancos, farmácias e supermercados, e de transitar pelas ruas e praças porque
estarão sujeitos a uma violência urbana incontida que existe exatamente porque
as leis são mal e porcamente cumpridas pela leniência de muitos iguais a ele.
Um dos motivos para a
insegurança pública crescente é a impunidade e a equivocada interpretação da
lei – muitos delegados de polícia lamentam que as diligências são feitas, os
criminosos são presos (“suspeitos”, na eufêmica linguagem jornalística), mas os
juízes determinam a soltura dos elementos.
O brasileiro tem uma
enorme vocação para o esporte, mas o Estado, além de não incentivar a sua
prática em escolas e locais públicos, ainda evita que se formem torcedores na
sua base.
Os jovens de Piracicaba
sem dúvida passaram a tarde de domingo jogando videogame, fuçando a Internet e
whatsappiando bobagens ao invés de participarem de um lazer esportivo. E os
dirigentes da equipe piracicabana, que haviam distribuído ingressos para seus
torcedores perguntam se esta preocupação não deveria se estender também aos
torcedores maiores de idade e principalmente às mulheres e aos idosos, em
princípio mais vulneráveis que os jovens, e entraram com um recurso para
reverter a ordem absurda. Não sei de maiores detalhes, mas a partida foi
realizada normalmente e sem qualquer incidente no domingo passado.
Se a praça esportiva de uma
cidade não oferece segurança, o evento deve ser transferido de local. E, antes que
qualquer decisão seja tomada, devem ser consultados os clubes envolvidos na
disputa, o chefe de policiamento, o Corpo de Bombeiros e outras autoridades com
competência para dar o consentimento ou determinar as medidas de segurança
necessárias.
Isto me lembra um episódio
ocorrido no final dos anos 1970. Era um sábado tranquilo e de muito sol, e São
Paulo e Juventus se enfrentariam no Pacaembu quase vazio. Na falta do que
fazer, comprei ingressos para as cadeiras numeradas, não por causa do reboliço
causado pelo torcedor das arquibancadas ou das gerais, mas pelo maior conforto
e por ser um local coberto.
Lá fomos eu, minha mulher
e meu filho mais velho, naquela altura com sete anos de idade curtir nossa
tarde esportiva. Pois não deu outra coisa: o Juiz de Menores presente à
portaria não nos deixou entrar por causa da criança.
Argumentei que a criança
estava acompanhada pelo pai e pela mãe, autoridades bem maiores que a dele, e
que a cidade estava repleta de crianças sem pai nem mãe espalhadas por parques,
ruas e logradouros públicos merecendo a atenção dos Juízes de Menores de boa índole.
Isto bastou para que o
juiz chamasse um policial e nos dar ordem de prisão por desacato, levando-nos –
marido, mulher e filho de sete anos – à presença do delegado em plantão no
estádio.
É claro que tudo não deu
em nada, mas afinal fomos impedidos de assistir ao futebol como era o nosso
programa.
Dura lex, sed lex.
(artigo
publicado no caderno Super Esportes do jornal O Imparcial de 19/02/2016)