sábado, 22 de outubro de 2022

 


PÁGINAS ESCOLHIDAS

De um livro de contos que ainda não foi publicado
(Augusto Pellegrini)

EU SOU SUA MÃE!


Minha mãe morreu há seis anos, mas eu continuo morando na mesma casa em que vivíamos, por ser um bem de família e eu ser um filho único. Eu ainda sinto a sua presença na sala, como se ela estivesse lá, no mesmo lugar, vendo televisão, ou mesmo à noite, diante da porta fechada do quarto onde ela dormia.

Minha mulher diz que não acredita nessas coisas e que é para eu deixar de bobagem. Chegou a mudar os móveis de lugar e a transformar o quarto que minha mãe ocupava em dispensa e adega.
Diz também que há muito exagero quando eu me refiro à sua semelhança com Clarinha.
“Uma criança se parece com outra criança, não com uma velha de setenta anos”, disse ela. Eu me senti indignado com a forma como ela se referia à minha mãe, mas assenti, mudo, para evitar maiores aborrecimentos.

Mas ela tem lá suas razões, pois mal teve tempo de conhecer a minha mãe, que morreu apenas algumas semanas depois que nos conhecemos, e encara a vida com modernidade, o que a impede de admitir os fantasmas que eu ouso ver e sentir.

Outro dia Clarinha estava fazendo uma malcriação qualquer, dessas que os pais toleram com um riso amarelo e que os amigos sentem vontade de pespegar logo umas palmadas. Birra, dizem os psicólogos, manha, dizem os avós.
Mas a malcriação começou a ficar insistente e eu comecei a perder a paciência. Pela malcriação e pela tentativa de me vencer pelos gestos e pelos resmungos, eu comecei a repreendê-la, primeiro carinhosamente, como convém à repreensão a uma criança de três anos deidade; depois, como a malcriação aumentava, procurei com mais empenho usar a razão, e finalmente apelei para a autoridade, talvez de uma forma equivocada e precoce, considerando a idade da menina.
Eu falei para ela, de uma forma bastante incisiva, elevando o tom de voz e brandindo o dedo indicador – “Clarinha, me respeite, porque eu sou o seu pai!”.
Fez-se um pesado silêncio, e eu temi pela consequência da minha súbita explosão – um muxoxo magoado ou talvez um choro convulsivo.
Ela, porém, permaneceu estática por um momento, depois olhou seriamente para mim, apertou a ponta do narizinho, pendeu o pescoço para o lado esquerdo e disse, com uma seriedade e um tom de voz que nada tinha de infantil:
“...E eu sou a sua mãe!”.
Calei, não ser ter sentido antes uma súbita onda de calor e frio a me subir pela espinha.
Minha mulher a tudo observava, boquiaberta e com o olhar imóvel, encostada no batente da porta”.

 

sexta-feira, 21 de outubro de 2022

 


NOVOCABULÁRIO INGLÊS

(EF – English Live)

Most common English idioms and phrases 

(ver tradução após o texto)

 

YOU CAN’T JUDGE A BOOK BY ITS COVER   

This expression means “to not judge someone or something based solely in appearance”. 

“You can’t judge a book by its cover. In Los Angeles, for instance, some of the richest people wear jeans and a T-shirt”    

 

           

TRADUÇÃO 

Expressões idiomáticas mais comuns na língua inglesa 

YOU CAN’T JUDGE A BOOK BY ITS COVER (não se deve julgar um livro pela capa). No Brasil, “NUNCA JULGUE PELA APARÊNCIA”

 
A expressão significa “não se deve julgar alguém ou alguma coisa apenas pela aparência”. 

“Você nunca deve julgar as coisas somente pela aparência. Em Los Angeles, por exemplo, as pessoas mais ricas costumam andar de jeans e camiseta”

           

 

terça-feira, 18 de outubro de 2022

 


O MEU CONDADO
(Augusto Pellegrini)

As ruas do meu condado
Têm calçamento de pedra
Em cujos espaços medra
Verde musgo alcatifado

O chão está preservado
Pela ausência de passantes
E quem aqui viveu antes
Não deixou qualquer legado

É uma cidade fantasma
Casas poucas, mal-cuidadas
Com paredes descascadas
Como um presépio sem alma

Das janelas pendem flores
Protegidas pelo tempo
Da ação do inclemente vento
Do sol e outros dissabores

Os homens que aqui viveram
Em tempos imemoriais
De muitos anos atrás
Não honraram seus herdeiros

Não deixaram coisa alguma
Móveis, qualquer utensílio
Passado de pai pra filho
Ou seja, herança nenhuma

A morada tem, de fato
A natureza como abrigo
Onde a escuridão amiga
Protege insetos e ratos

Mas no meio do vazio
Onde a solidão impera
Tudo é sempre primavera
E flores há, sem plantio

Silêncio é música ouvida
De sons ao sabor do vento
Que sopra a todo momento
Na paisagem combalida

Este é o meu condado
E dos meus antepassados
Que não tiveram o cuidado
De deixar qualquer legado

2018



 


FAÇA DE CONTA 

1978

(Samba de Nelson Gengo e Augusto Pellegrini)

 

Faça de conta que tudo

Não passou de intriga

E a briga que existiu

Foi sem querer

Vamos rever o passado

E esquecer nossas vidas

Avaliando a situação

Prometendo não mais

Reviver a dor

 

Eu não chorei pelo que aconteceu

E nem pelo dissabor que me aborreceu

 

Vivi

Sempre sentindo saudade

Fugindo da realidade

Tentando esquecer teus apelos

Senti

Senti dentro de mim um aperto

Neste momento te peço

De braços abertos espero

Pelo teu regresso

 

Senti

 

Senti dentro de mim um aperto

Neste momento te peço

De braços abertos espero

Pelo teu regresso