A CORDA
(Augusto Pellegrini)
A
corda.
A
corda balança como se na outra extremidade habitasse um cadáver. Um fio de
prumo no prumo, dependurado, fixado lá no alto do prédio, passando em frente da
janela que é só vidro, no décimo-primeiro andar, altura suficiente para o homem
sentir as sensações de Ícaro, projetar-se nos ares, voar sem asas.
Eis
a corda.
A
corda balança ao sabor do vento e bate na parede corrugada de concreto ao lado
do fio do telefone e do para-raios prendidos com grampos.
A
corda está arrebentada, criminosamente arrebentada na altura do décimo-primeiro
andar, mas puxada para baixo pelo peso do morto enquanto vivo agora prende
frouxa até o nono.
E
o andaime, lá em baixo, aos pedaços.
-o-o-o-
De repente, a corda se distendeu mais do
que devia e depois afrouxou. Ao mesmo tempo soou um grito, parecia uma sirene,
foi se distanciando e terminou com um baque sinistro. Lá em baixo, um corpo
retorcido no solo, esborrachado como um tomate.
-o-o-o-
“Eu fui pra praia sexta-feira à noite” –
explica Zacarias. “A noite estava clara, quente, e eu suarento. Peguei minha
roupa de banho e de baixo, apanhei o ônibus e fui pra praia. Não tenho
testemunhas, mas estava lá. A praia estava quente, clara, e eu suarento. Era
noite, mas mesmo assim tomei um banho de mar – você já fez isso? – é uma
beleza! As ondas estavam altas, a orla deserta e a água subia até o fim da
areia, a lua parecia maior no seu contraste com o céu de fundo negro. Água de
coco gelada, cheiro de mar”.
“Tudo estava maravilhoso, eu havia até
esquecido meu apartamento com meus livros, minhas gravuras, meus anjos de porcelana,
meus problemas. Mas uma armação de madeira, dessas enormes feitas para colar
cartazes, trouxe-me à mente o meu drama”.
“Estão pintando o lado de fora do
edifício onde moro, onde montaram uns andaimes de madeira e corda pra acomodar
os pintores com as suas tintas. Existe inclusive uma corda descendo na vertical
bem em frente à minha janela. Uma corda grossa, cheia de nós, para segurar a madeira
e o pintor sentado nela”.
“Fugi de casa e fui pra praia porque
estou ficando maluco”, continuou Zacarias. “Cada vez que olho a corda penso escutar
a polícia batendo na minha porta para me levar aos berros pelo corredor cheio
de eco, me atirando no elevador e depois numa cela, ditando a minha sentença”.
“Cortaram a corda, professor, cortaram a
corda bem na cara da minha janela!”.