PÁGINAS ESCOLHIDAS
Do
livro O BRUXO DE CONCEPCIÓN (2011)
(Augusto Pellegrini)
O TOCADOR DE TUBA
Josefino Perpétuo Divino de Sá
podia até não ter o nome apropriado para tal, mas tocava tuba com muita seriedade.
Como, no entanto, soprar o extravagante instrumento não dá sustento a ninguém, há
dezoito anos ele trabalhava no Arquivo Público do município, de onde tirava os
recursos para sustentar a família, que se resumia a Josefino e Adelina, sua
mulher.
Quis uma lei municipal resgatada do tempo do Império que lhe fosse concedido um
aumento que quadruplicava o seu salário do dia pra noite.
Ao receber a notícia, o pobre tubista entrou em estado de estupor.
Quando terminou o expediente, Josefino pensou em ir logo pra casa para colocar
Adelina a par do extraordinário acontecimento, mas foi assediado por Cleófas, o
mulherengo da repartição.
Cleófas era freguês assíduo do Recanto da Inês, um misto de bar e cabaré que se
escondia na antigas quebradas da cidade velha, e não levou mais de dez minutos
para convencer Josefino que o seu aumento de salário merecia uma comemoração à
altura.
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Josefino foi, viu, e esqueceu o mundo lá fora, como se tivesse atravessado um Rubicão
fecundo.
Dançou com Elvira, sentou no colo da Sandrinha, beijou Suzana, bebeu com
Margarida, saracoteou com Estela, deu uma ajuda para Dolores pagar a conta de
luz atrasada e acabou todo manchado pelo batom da Frutuosa.
Experimentou o aperitivo “da casa”, bebeu generosas doses do uísque do
cavalinho, comeu moela de frango, molhou o bico com o licor amargo de
alcachofra e finalizou a noitada entornando conhaque de alcatrão na goela e na camisa
suada.
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Diante da sua casa, mas proibido de entrar pela furiosa Adelina, Josefino
troava a sua tuba, que conseguira apanhar na garage. Uma balburdia se formava
entre noctívagos curiosos e vizinhos – “Deixa ele entrar!” – “Não deixo!” – Deixa
entrar ou arrebentamos essa merda!” – “Não deixo!” – “Deixa entrar ou nós
matamos o desgraçado!” – “Pode matar!” – e a tuba seguia soando como um touro enlouquecido,
mostrando a mais pura expressão da alma atormentada do tocador.
(Desventuras de um tocador de tuba em noite de festa)