quinta-feira, 29 de janeiro de 2015






MINISTRADAS E MINISTRICES 

(ARTIGO PUBLICADO NO CADERNO “SUPER ESPORTES” DO JORNAL “O IMPARCIAL” DE 29/01/2015) 

Inexperiente não apenas na liturgia ministerial como também na administração do assunto que lhe foi dado para ministeriar, George Hilton, o recém-empossado Ministro do Esporte já começou a meter os pés pelas mãos.
Não que tivesse posto em prática alguma política danosa ao esporte ou que tivesse se envolvido em algum desvio de conduta pouco recomendável, o que infelizmente vem sendo a tônica de muitos políticos aqui no Brasil.
Talvez, porém, pelo seu inequívoco envolvimento com o ministério religioso, o senhor (ou talvez devemo-lo chamar de pastor) Hilton se esqueceu de separar as atribuições do seu cargo atual (Ministro do Esporte) com o seu cargo de ofício (ministro de Deus) e declarou que a sua primeira ação no Ministério seria implantar procedimentos religiosos entre os jogadores, “para afastá-los das drogas”, disse ele.
Trata-se de duas coisas muito importantes que ajudam na formação dos jovens – religiosidade e prevenção contra o uso de drogas – mas que parecem estar sendo formuladas no momento e no fórum errados. E do modo errado.
O esporte brasileiro, em particular o futebol, nossa maior paixão, vive um momento de desencontro. Há um descompasso técnico, emocional e financeiro que começa a criar um abismo entre o Brasil e outros países que praticam este esporte, alguns se fortalecendo, como os europeus, outros se reforçando, como os asiáticos, outros se repaginando como os norte-americanos.
Além disso, vemos se aproximarem os Jogos Olímpicos de 2016 sem que possamos confiar na estrutura dos locais e dos equipamentos necessários e sem que possamos confiar nos atletas que representarão o Brasil, quer por causa dos problemas de preparação e treinamento, quer por falta de uma verba que dê suporte estrutural às modalidades, algumas das quais no meio de uma intensa crise de credibilidade, como o vôlei, a canoagem e o taekwondo, ou de funcionabilidade, como o futebol feminino, o atletismo, a natação e a ginástica.
Por fim, existe o problema de que o Brasil, como um país laico, não pode obrigar que os clubes ministrem compulsoriamente aos seus atletas qualquer tipo de religião, seja ela evangélica (como no caso do Ministro), católica ou provinda de raízes africanas, não apenas porque isto desviaria do atleta o seu foco principal – que é estar preparado para competir – como também porque criaria uma separação indesejável em grupos de atletas com diferentes crenças ou práticas religiosas.
O esporte deve ser tratado como esporte, e quaisquer desvios que possam afetar o desempenho do atleta e comprometer o seu rendimento devem ser tratados com reserva, inclusive aqueles relativos a uso de droga.
São conhecidos alguns casos de consumo de drogas no esporte (ou de uso de dopping, mais comum, mas igualmente condenável), mas felizmente esses casos são ínfimos se considerarmos a quantidade de atletas e profissionais que têm o esporte como meio de vida.  
Existem naturalmente, sem necessidade da interferência ministerial, muitos atletas evangélicos que se intitulam Atletas de Cristo, que a seu modo procuram transmitir aos companheiros algum tipo de formação religiosa, e os clubes – com exceção de alguns técnicos que são totalmente contrários à ideia – não se importam que isso aconteça. 
Alertado por alguém, George Hilton mudou o discurso e disse que a sua preocupação inicial será a formação de jovens atletas, o futebol feminino e a Olimpíada de 2016, omitindo qualquer menção a questões religiosas.
Mesmo assim, Hilton não deixou de preencher os principais cargos do seu Ministério com políticos do PRB, todos pastores da Igreja Universal do Reino de Deus, que obviamente farão do seu trabalho uma cruzada religiosa dentro do esporte.

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