quinta-feira, 10 de dezembro de 2015







EU E A MÚSICA - ESSE TAL DE ROCK AND ROLL

Parte I - Um abraço no Gilberto Mineiro

Durante um curto período São Luís movimentou uma casa de espetáculos chamada Equator, que era na verdade um imenso picadeiro com arquibancadas de cimento, mais parecendo um ginásio esportivo. A casa era rústica, tinha problemas de acústica, não oferecia conforto nem um bom serviço de bar e não teve, portanto, vida longa.
Em pouco tempo o prédio foi demolido e o espaço acabou se transformando num grande estacionamento aberto, no que se revelou muito mais adequado, pois assim permanece até hoje.
Quando surgiu o Equator veio com ele a esperança da abertura de um espaço que pudesse congregar as tribos de garotos roqueiros que sobreviviam esparsos pela cidade, pois naquele tempo era difícil encontrar um palco para mandar um rock ou um blues de responsabilidade.  
Os proprietários de bares e casas noturnas tinham um grande preconceito contra o rock, que eles consideravam uma “música de alto volume que não atraía o público consumidor, interpretada por músicos que assustavam as pessoas com aquele som ameaçador”.
Para a tristeza do rock, o Equator deixou de ser uma esperança para os roqueiros e acabou se transformando, no seu curto período de existência, em uma casa de reggae, o ritmo jamaicano que na época havia tomado conta da cidade com suas radiolas e seus dreadlocks, fazendo com que muitos apreciadores criassem o hábito oticamente pouco saudável de se colocarem ao lado das potentes caixas de som e com que muitos casais voltassem a dançar agarradinhos, longe da febre das disco houses.
O rock caminhava com dificuldade, embora conseguisse ser exibido em alguns lugares com o pequeno sucesso que a sua pouca aceitação na cidade permitia, como as ruas do Projeto Reviver, o Bagdá Café, o Créole Bar, o Restaurante Peixe na Telha – e que boa memória ainda tenho da sua proprietária, nossa saudosa amiga Neirimar! – apostando no talento de meninos como Adriano Correa, Aldreder, Alexander Carvalho, Elvis, Glad Azevedo, Paulo Pellegrini e outros. 
Estávamos no início dos anos 1990.
Era sábado, e neste dia, graças às artimanhas do diligente produtor, estava sendo realizado no Equator não uma festa de reggae, como seria de se supor, mas um festival de rock como a gente sonhava, com diversas bandas locais se apresentando, algumas mais ativas e experientes e outras ainda com o rótulo de garage bands, contando com a presença de um público jovem bastante participativo.
As garage bands eram formadas por jovens adolescentes que se reuniam nas suas casas depois das aulas e não tinham um grande conhecimento musical teórico nem qualquer ambição profissional, embora alguns deles tivessem seguido carreira, mesmo se paralela a alguma outra atividade acadêmica.
Menos participativos do que o público jovem, alguns homens e mulheres maduros que assistiam ao festival davam a impressão de que lá estavam apenas por conta dos seus pimpolhos que soltavam provavelmente seus primeiros gorjeios em público, mostrando aos presentes aquela guitarra e aquele baixo recém-adquiridos, sem as marcas ou os riscos causados pelo uso. 
Aparentemente os meninos se divertiam mais enquanto acertavam o som das guitarras e falavam “um-dois-sssommmm” ao microfone do que quando se punham realmente a tocar.
As apresentações haviam começado às quatro da tarde misturando alguns trabalhos autorais esforçados com alguns covers bem ensaiados, e a expectativa era a de que mais gente chegasse durante o transcorrer dos shows, sendo previsto o seu gran finale apenas lá para as dez da noite.
O Equator Rock Festival foi mais um evento produzido por Gilberto Mineiro, radialista e produtor musical com uma vida dedicada ao rock, que tinha a seu encargo um programa semanal de radio que mantém até hoje, embora com outro nome e em outra emissora. Mais tarde ele passaria também a trabalhar com música alternativa, drum & bass, som do mangue, acid jazz, world music, nova MPB e outras coisas do gênero.
Gilberto Mineiro é o que se pode chamar de uma cabeça pensante, inteligente e provocador seja na música ou fora dela, embora geralmente procure canalizar as suas discussões para o campo da qualidade musical, sendo implacável com aquilo que ele considera de baixo nível. Com ele, sempre temos a garantia se uma boa conversa.
Como apreciador do velho e bom rock and roll eu também lá estava, totalmente envolvido por aquele recital de guitarra, baixo e bateria no meio de jovens cabeludos, a maioria trajando preto, alguns portando correntes e outros adereços punk, outros dançando as suas gingas e cabeçadas, mas tudo dentro de muita alegria e – pasmem! – muita paz e ordem, ao contrário do que certamente temiam os pais e acompanhantes, e os donos de bar mal avisados.
Aquilo foi o início de uma nova era.
Hoje em dia, o rock saiu da toca e se apresenta em diversos bares, pubs, restaurantes e casas noturnas, praias e praças, puro ou na forma de blues, e ao contrário de que temiam os proprietários dos locais, a distorção das guitarras e o frenesi da bateria seguem atraindo público de todos os matizes.
Graças à teimosia de bandas pioneiras como Daphne, Alcmena e Paul Time, e mais tarde Página 57, The Mads, Pandha S.A. e tantas outras, e graças ao trabalho de produção e divulgação de Gilberto, o rock passou a ser participante da cena musical da cidade.
Enquanto eu acompanhava o entusiasmado balanço de uma das bandas do Equator Rock Festival, um jovem de não mais do que quatorze anos me observava, curioso.
Trajando roupas sem qualquer espalhafato e sem nenhuma parafernália que denunciasse sua apreciação pelo que estava acontecendo no local, ele tomou coragem e fez a pergunta que o estava intrigando, dada a minha idade avançada para aquelas estripulias: “Mas, tio, você gosta mesmo disso?!...”
Eu respondi com toda a sinceridade histórica que o momento merecia: “Meu filho, quando ‘isso’ começou a acontecer, eu tinha mais ou menos a sua idade. E nunca mais parei de ouvir e de gostar...”

 

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