domingo, 12 de fevereiro de 2017






O POLÍTICO - ÚLTIMA PARTE

Pensei que a sala fechada não houvesse porta ou trincos.
Pensei que, em se levantando, fosse procurar comigo.
Pensei que, em se levantando, fosse conversar comigo.
Pensei que, me vendo perto, me considerasse amigo.

Pensei que, pela presença,
eu fosse notado, ao menos,
mas Cesar passa com louros
dentro do seu terno negro.
Cabeça erguida nos ombros,
olhar pra outro horizonte,
até as portas se lhe abrem
sem ligar pro meu assombro.

Só ficou do corpo o cheiro
do perfume bem cuidado,
o vazio do esquife negro
e as flores no atapetado.

Seria um enterro com honras,
com pavilhão nacional,
com banda, bispos e imagens
dos santos tradicionais
com o povo em fila indiana
chorando no último adeus,
porque o povo chora sempre,
mesmo não sendo um dos seus.

Seria um enterro de herói,
com flores na sepultura,
clarinada em grande estilo
tirada à nota mais pura,
com elogios “post mortem”
de oradores de escol
lembrando a vida de glórias,
saudando a morte do herói.

Mas será festa de gala
do restabelecimento
do salvador desta pátria
que, por reconhecimento,
terá champanha e sorrisos
em vez da cruz de cimento.

1988


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