segunda-feira, 25 de setembro de 2017



O VASO ROXO

(Parte Um)


Giovanni Minotti era um tipo muito engraçado.
Sorridente e gentil, raras eram as vezes que seu sangue italiano falava mais alto a ponto de fazê-lo pronunciar blasfêmias e impropérios próprios dos seus compatriotas de alma quente e eloquente.
Não fosse o engenheiro que era, por vocação, ele teria sido um excelente comediante, da linha de Totó ou Alberto Sordi, pois era espirituoso e transmitia graça e leveza nas suas tiradas inteligentes. Giovanni tinha uma veia crítica de fazer inveja.
Além do mais, Giovanni Minotti tinha o que se chama “physique du rôle”, pois era a caricatura perfeita do palhaço bonachão, com a careca brilhante e o nariz vermelho – coloração adquirida pelo Chianti generoso das horas de lazer.
Além do vinho, ele tinha uma verdadeira adoração pelo seu trabalho e pelo escritório que mantinha no vigésimo-segundo andar em um prédio no centro da cidade, e quando colocava os óculos de aro grosso e se punha a fazer cálculos com o lápis rabiscando e interpretando as informações da velha régua de cálculo, adquiria a aparência de um matemático francês num filme de “nouvelle vague”.
Eu era um dos seus colaboradores – naquele tempo ele já usava este eufemismo para designar os empregados – e trabalhava como desenhista técnico, um serviço bucólico que aliava paciência com falta de ambição.
A sua vida se dividia entre a galhofa, os projetos e as concorrências públicas, além dos conselhos sábios para os mais jovens e a preocupação em manter uma silhueta que não o fizesse se envergonhar quando se mirasse no espelho.
Sua cruzada contra a margarina e o refrigerante era quase uma guerra santa, mas conquanto vociferasse contra as batatas de saquinho – como ele as chamava – era sabido que as consumia às escondidas.
E a vida transcorria assim tranquilamente entre uma edificação e outra, a pausa para o cafezinho, um Alka-Seltzer para rebater aquela coxinha requentada e alguns telefonemas nervosos para saber o resultado da concorrência, até que num certo fim de tarde, bem na hora em que desabava uma intensa borrasca que fazia com que as frondosas copas das árvores da praça lá embaixo desaparecessem no aguaceiro, apareceu Leocádia.
Leocádia veio do nada, como uma lufada de ar que entra por uma fresta de janela sem se fazer notar. Surgiu como um fantasma inoportuno e fechou ruidosamente o guarda-chuva gotejante.
Embora tivesse a aparência descorada e asséptica de uma pregadora religiosa, a mulher se apresentou como sendo representante de uma empresa especializada na manutenção de mimeógrafos – máquinas copiadoras iguais àqueles utilizadas na segunda guerra mundial, que tingiam de azul até a alma do operador – e também de outras mais modernas para a época, chamadas copiadoras heliográficas.
Quando Leocádia chegou, os sinos tilintaram na cabeça de Giovanni como num passe de mágica, como se ele estivesse sob efeito de uma poção de feitiçaria. E tilintaram tão alto, que quase dava para a gente ouvir do lado de fora.
Ela era na verdade o antípoda do italiano, mas o corolário da vida reza que os opostos realmente se atraem.
Se, por um lado Giovanni era simpático, ligeiramente rechonchudo e irradiava um constante bom humor, Leocádia era angular, desagradável e antipática logo à primeira vista, fosse pelo nariz adunco ou pelo cabelo puxado para trás e amarrado em um coque antiquado, inspirado no século XIX. Ela deixava no ar a promessa de se tornar mais desinteressante a cada momento.
Todavia, quer seja por falarem o mesmo idioma tecnográfico, quer seja por prometerem comungar esquisitices em comum ou ainda por compartilharem o mesmo padrão de pouca beleza – se é que assim pode ser dito – acabou pairando no ar um clima romântico que prometia grandes jornadas amorosas, ornamentada por senos, cossenos e hipotenusas.
E fotocópias em profusão.

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