segunda-feira, 23 de julho de 2018





LICOR DE MAÇÃ

À noite, bebo a tua imagem distorcida
A  ninfo-bela imagem espectro gestual
O cálice rubro e multifacetado
Guarda o licor com sabor de guardado
De maçã argentina, marca popular

Então tu me acompanhas, na mente explodida
Na mente explosiva, na lembrança torta
O cálice vítreo e multirrefletido
Guarda o licor com a cor do teu vestido
A cor da tua nudez, sem frente ou costa

Retiro-me a este canto do quarto vazio
Vou vago e sonolento tropeçando em passos
No espelho oval, de fundo descascado
Tento me ver de frente, embora veja o lado
Da colcha rendada, que lembra os teus cachos

Já é madrugada, e por mais que me afagues
Extravasando vens, de luz e som
Bijuterias, perfumes, badulaques
Colcha amassada, teus pés, tuas mãos
Chuvisco na tela da televisão

Olhos fechados, cortina de rubro
Calor me inflama, agora me descubro
Vendo no espelho o teu corpo curvado
Luzes se acendem, lâmpadas apagam
E eu me virando em brasas, em busca do teu lado

Relógio digital apita, repete e cricrila
Ainda é madrugada ou já é de manhã?
Só, no meu quarto, procuro por teu tato
Guardo vontades, coçando as axilas
Amarga a boca, licor de maçã

É madrugada, e por mais que me faltes
Pastosa a língua e pegajosas mãos
Ainda que me afagues sigo como morto
Como anjo torto de alucinação
Teu corpo suado, licor de maçã

 (1993)

Nenhum comentário: