quinta-feira, 23 de agosto de 2018





A VIDA INGLÓRIA DE TALARICO
(excerto)

Saí do prédio e recebi no rosto um chuvisco fino de garoa fria.
A noite piorara consideravelmente e esse mau tempo, combinado com a sauna tomada à tarde, não me iria fazer bem algum.
Entrei de corpo e alma na garoa que neblinava as luzes amarelas dos postes e neblinava a minha já neblinada visão.
Empurrado pelo vento e pela chuva, caminhei mais alguns passos e me deparei com uma pequena multidão como as que rodeiam os mágicos ambulantes, expectadores concentrados e curiosos comentando o fato, alguns chegando outros indo embora, enquanto um guarda apitava e mais longe o que apitava era um trem.
Aproximei-me para participar do aglomerado no momento em que algumas pessoas saíam deixando um lugar vago na primeira fila, como nos grandes teatros, para que eu pudesse assistir à cena final de mais uma tragédia urbana.
Talarico estava estendido na calçada com um braço ao longo do corpo e o outro acima da cabeça, tendo na mão uma taça de conhaque quebrada, os cacos se misturando com o molhado da rua, um filete de sangue escorrendo do nariz e avermelhando o bigode.
A água borrifava sobre o seu rosto como se nevasse nos cabelos arrepiados.
No bolso superior do paletó a nota fiscal da última comemoração.
Não havia nenhum padre a lhe aspergir a água do perdão.
Pelo menos por enquanto.        

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