sexta-feira, 9 de novembro de 2018






O TOCADOR DE TUBA
(Excerto)

Por fim, falante e convincente como era bem do seu feitio, Cleófas ganhou a parada e carregou consigo o pacato Josefino para lhe mostrar o lado boêmio da vida.
E lá se foram eles para o Recanto da Inês, onde os aguardava um punhado de mulheres prontas para socializar o aumento repentino que Josefino teve com a mudança de cargo na repartição, junto com uma coleção de músicas de qualidade inferior que jamais seriam tocadas por uma tuba apaixonada, algumas doses de uísque importado do Paraguai e todo um carrossel  de emoções.
Josefino foi, viu e esqueceu o mundo lá fora, como se tivesse atravessado um Rubicão fecundo.
Dançou com Elvira, sentou no colo de Sandrinha, beijou Suzana, bolinou Salete, bebeu com Margarida, saracoteou com Estela, riu das piadas de Dorotéia, deu duas notas de cinquenta para Dolores e acabou todo manchado pelo batom de Frutuosa.
Experimentou o aperitivo da casa, bebeu generosas doses do uísque do cavalinho, degustou moela de frango, deu uns goles no xarope amargo de alcachofra e finalizou a alucinante noitada entornando conhaque Palhinha na goela e na camisa suada.
Lá pelas quatro, fedendo mais do que fundo de bar, quando o galo já ensaiava suas primeiras traquinagens vocais, Josefino pagou a conta com um cheque ainda sem fundos para ser compensado na semana seguinte – aí incluídas as despesas de Cleófas e toda a safra de sirigaitas, e finalmente se lembrou de ir para casa, onde iria se defrontar com a temida mulher, Adelina.
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Josefino sentou-se resignadamente no meio-fio empunhando a sua tuba e, olhando com os olhos tristes para a sua casa totalmente às escuras, resolveu fazer uma serenata para a meiga Adelina.
Ou ele entrava em casa para curar a carraspana ou ficaria aporrinhando a comunidade com aquele som sem tom, mugindo como um bovídeo com dor de dentes, até o sol nascer.
Era necessário tomar uma medida, então lá se foram os vizinhos da desditosa figura socar a porta de Adelina intimando-a para que deixasse Josefino entrar em casa mesmo que depois ela o fizesse engolir a maldita tuba.
“Deixa ele entrar!!!” – “Não deixo!!!” – “Deixa entrar ou arrebentamos essa merda!!!” – “Não deixo!!!” – “Deixa entrar ou nós matamos o desgraçado!!!” – “Podem matar!!!” – e a tuba continuava troando pela madrugada na mais pura expressão da alma atormentada do tocador.
Lá longe, já se podia ouvir o som estridente da sirene da rádio-patrulha diligentemente convocada por algum telefonema inteligente, para mediar a contenda.   

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