quinta-feira, 10 de outubro de 2019







VIDA DE ARTISTA  
(Excerto)


Tomei as devidas providências e também as devidas precauções – afinal nunca se sabe ao certo em que terreno se está pisando.
A ficha de emprego incluía data e local do nascimento, filiação e escolaridade, e perguntava se eu já havia tido alguma passagem pela policia ou alguma doença contagiosa.
Faltava o atestado de residência para provar que eu residia e o atestado de vida para provar que eu vivia – o bafo com hálito matutino e o beliscão no antebraço não tinham valor legal, mesmo se providenciado com todas as firmas reconhecidas, selos, estampilhas, carimbos e vistos colocados debaixo do nariz do escrevente do cartório e seus cartapácios empoeirados.
Depois de quatro dias de espera sem muita angústia, curtindo a paz do limbo dos pós-graduados, veio enfim o chamado da empresa, e lá fui eu fazer a entrevista com o Chefe de Pessoal, senhor Takashima, com o Gerente de Recursos Humanos João Tamarindo e finalmente com Mister Pettiford da matriz, que me examinou como se examina um cãozinho num canil, e decretou que eu fosse comprado.
O primeiro passo foi fazer um teste psicológico para provar que eu não era louco. Devidamente comprovado que eu não fazia o tipo terrorista nem tinha tendências homicidas, recebi então o crachá e a assinatura na carteira de trabalho, um livreto sobre a empresa com informações alentadoras e um folheto falando sobre um projeto também alentador no qual seria enterrado um milhão de dólares para que fosse desenterrado um rico minério, a fim de que todo mundo ganhasse bem e ficasse bem contente, do Takashima ao Tamarindo e do Pettiford ao governador.... e eu.
Como bom cidadão, concordei com todas es exigências sem muito questionamento, fiz os exames clínicos de praxe preenchendo os devidos frascos, barbeei, tomei banho, arrumei a mala e tranquei no cofre do passado um punhado de livros e discos, barzinhos, Irenes, Adelaides e Elisabetas.
Mas não joguei a chave fora porque, no futuro, quem sabe?...   


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