segunda-feira, 2 de março de 2020





O TOCADOR DE TUBA   
(Excerto II)

“Não é todo dia que a gente tem uma promoção como esta, nem um aumento de salário tão generoso”, pensou o pacato Josefino ao aceitar o convite do sátiro da repartição para irem festejar na “casa das primas”.
E para lá foram ao sair do serviço e lá ficaram na pândega até pouco antes de a madrugada raiar.
Foi só quando a casa fechou que eles resolveram ir embora.
O amigo saiu para um lado, e Josefino saiu para o outro, cantarolando e tropeçando pelo alvorecer, alegre como um macaquinho no circo, inconsequente como um bobo da corte, ansioso por partilhar com a esposa Adelina o seu mais novo status na repartição. Agora sim, ela poderia trocar o fogão e a geladeira, e comprar o bendito aspirador de pó com cuja necessidade ela apoquentava a sua cabeça.
E lá foi ele, fazendo planos para um futuro conjugal feliz. Só que, ao chegar em casa, encontrou a luz acesa e ouviu, após um silêncio profundo, os primeiros rugidos da mulher.
Adelina estava transtornada, sem saber o que tinha acontecido com o marido. Pela sua cabeça se atropelavam mil imagens, uma pior que a outra, pois Josefino, pacato como um frade franciscano e inofensivo como um passarinho, não saberia como se defender contra qualquer infortúnio da vida.
No entanto, quando ouviu a voz tartamudeante do marido e entendeu que ele estava bêbado como um peru de véspera, Adelina deixou seus cuidados de lado e ficou realmente furiosa.
Em vinte anos de casados, Josefino nunca se atrevera a chegar em casa depois das oito, nunca havia se embriagado dessa maneira e nunca lhe faltara com obediência e respeito.
Ainda em dúvida se enchia o desgraçado de pancada ou se simplesmente o atirava para o meio da rua, ela cometeu a imprudência de abrir a porta.
Josefino se esgueirou para dentro de casa como um cachorro assustado, mas ela prontamente o agarrou pelo pescoço e começou a berrar, alto e bom som – “...vagabundo! canalha! vá dormir na rua, que lá é o teu lugar!!!”
Em vão, o pobre coitado tentava contar que a festa toda era devida ao futuro garantido do casal, ao desejado fogão, às poltronas novas, à frente da casa pintada de rosa e ao aspirador do anúncio da TV. Seu destino era o olho da rua, sem necessidade de maiores explicações.
De passagem para o relento, Josefino esticou o braço e carregou com ele a tuba que estava sobre a mesinha ao lado da porta e – zás! – foi com tuba e tudo parar na calçada deserta.
Josefino sentou-se resignadamente no meio-fio, espichando os olhos tristes para a parede descascada da sua casa, agora totalmente às escuras, e decidiu tocar uma serenata para ganhar o perdão da meiga Adelina.
Agora, tudo depende da reação dos vizinhos.

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