sexta-feira, 8 de maio de 2020





O BRUXO DE CONCEPCIÓN
(Excerto)

Tudo começou quando El Gran Gachot, um ilusionista venezuelano que andava pelo México afora, precisou de um assistente para auxiliar nos seus truques.
Aos dezesseis anos, Emerenciano Ycaplán, que era esperto e expedito, apesar de robusto e bem cevado, assumiu a tarefa com tamanha perfeição que logo passou a comandar parte da cena, ficando para Gachot apenas o lado mais complexo do espetáculo.
Fazer sumir e reaparecer lenços de seda coloridos e graciosas pombas brancas, colocar moedas atrás da orelha e retirá-las da boca, multiplicar cigarros acesos por entre os dedos roliços fazendo-os desaparecer no ar e encantar o público com um baralho chinês eram algumas das maravilhas que Emerenciano fazia sem pestanejar.
As mãos se moviam como duas aranhas transformando um relógio de ouro num punhado de papel picado para depois fazê-lo reaparecer no bolso de um espectador abobalhado.
Finalmente, ele passou a adivinhar datas, pensamentos e nomes a ponto de roubar o espetáculo para si, a despeito do velho Gachot.
El Brujo Emerenciano era a nova sensação do momento, realizando junto com seu mestre os mais incríveis milagres – água se transformando em qualquer bebida ou fazendo levitar um pesado baú cheio de tralhas circenses.
Certo dia. El Gran Gachot viajou sozinho para a Venezuela e nunca mais voltou, deixando para El Brujo todos os trastes e serventias, junto com um público fiel que o acompanhava.  
Logo ele passou a ser consultado sobre problemas comezinhos, previsões futuristas e curas milagrosas.
Fazer curas com ervas e raízes não era nenhuma mágica, era simplesmente invadir o mundo maravilhoso do avô paterno. Na verdade, ele não sabia como a coisa funcionava, mas ao ouvir os reclamos do consultado agia por instinto e recomendava chá de bugre como tônico cardíaco, cipó almécega para o lumbago, arnica do mato para cólicas e tayuyá como diurético, e sempre acertava na mosca.
A fama de santo milagreiro se espalhou pela região e começou a extrapolar fronteiras. A vida de curandeiro ambulante estava se tornando lucrativa, pois sua carroça cheia de tralhas agora também comercializava mel, canetas, almanaques e outras tralhas que levavam a marca do Brujo.
Emerenciano já estava se tornando um curador de doenças, e a sua fama finalmente chegou ao Conselho de Medicina.
Na capital, os doutores resolveram investigar.
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Emerenciano foi chamado para uma conversa que se transformou num grande interrogatório.
A inquisição tomou corpo e foi minando a confiança do Brujo, pois os doutores lhe mostraram cientificamente os grandes riscos aos quais ele submetia os seus pacientes. A falta de uma medicação adequada e de um diagnóstico correto podia mascarar uma doença grave e levar pessoas à morte. O charlatanismo – ele jamais ouvira tal palavra – poderia levá-lo para trás das grades e provocar o confisco de todos os seus bens, considerados objetos de operação de uma atividade proibida.
Feita a devida advertência, os doutores o liberaram.
Emerenciano partiu desorientado. Todo o seu otimismo fora por água abaixo. Iria, a partir de agora, reabilitar o surrado baú do Gran Gachot e voltar a brincar com moedas, pombos e lenços. Os doutores haviam sabiamente demonstrado o quanto espinhosa pode ser a vida de um curador de doenças.
O ônibus alcançou a autopista para iniciar a viagem de volta em direção a Concepción Del Oro, onde parentes e amigos o aguardavam com as possíveis boas notícias trazidas da capital.    


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