segunda-feira, 9 de novembro de 2020

 


AS CORES DO SWING
          (Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 17 - O HOMEM DETRÁS DO TRONO (FINAL)

A despeito de dirigir a sua própria orquestra, Henderson continuou trabalhando para Goodman e estreitando seus laços de amizade com ele. Naquele momento histórico, Goodman era detentor de todos os elogios no mundo do jazz e das big bands, aplaudido nacionalmente e laureado como o Rei do Swing.

A preferência do público e da crítica por Goodman, ao invés de enciumar Fletcher Henderson apenas o fazia feliz, pois ele tinha plena consciência da participação que ele estava tendo no desempenho da orquestra do amigo.

Certa tarde, quando Henderson foi ao estúdio onde Goodman ensaiava com os seus músicos, ele foi surpreendido com um convite que lhe soou lisonjeiro. Goodman disse que gostaria que ele assumisse o lugar de pianista na orquestra, e Henderson pensou tratar-se de uma brincadeira. Sentar-se no banquinho que já pertencera a Teddy Wilson e a Jess Stacy parecia ser um exagero para ele, pois a técnica dos dois pianistas era simplesmente excepcional, e ele há muito tempo deixara de tocar piano como solista. Além do mais, Henderson se tornara famoso executando uma variante do jazz tradicional, ao passo que os pianistas de Goodman haviam ingressado totalmente no universo do swing.

Apesar das restrições, Henderson sentiu-se honrado, agradeceu a confiança nele depositada e resolveu fazer parte dos ensaios, participando de algumas gravações e de diversas apresentações. No entanto, a crítica, que sempre lhe fora favorável desde a formação do seu primeiro grupo em 1924, começou a atacá-lo acidamente, sugerindo que Henderson não tinha a suficiente estatura para segurar a barra como pianista numa orquestra de tal magnitude.

Numa manhã cinzenta e chuvosa como seu estado de espírito, Henderson se reuniu com Goodman e lhe disse que abandonava o cargo. Apesar da resistência de Goodman, ele foi inflexível, e a saída foi contratar outro pianista. Depois de algumas tentativas, o escolhido foi Johnny Guarnieri, que tinha uma boa experiência com o swing por ter tocado com a orquestra de George Hall.

A despedida formal foi emocionante, pois tanto Henderson quanto Goodman tinham plena consciência de que o sucesso de Goodman se dera não apenas pela qualidade dele como músico e como líder, mas também pelos arranjos modernos emprestados pela competência de Fletcher Henderson e registrados na história da orquestra, como nas músicas “Remember”, “Three Little Words”, “Honeysuckle Rose”, “Sugarfoot Stomp”, “Buggle Call Rag”, “Wrappin’ It Up”, “Get Happy” e “I Can’t Give You Anything But Love”.

Fletcher Henderson continuaria sua vida de músico trabalhando ocasionalmente com sua própria orquestra, mas na maior parte do tempo escrevendo arranjos para Goodman e diversos outros bandleaders.

Henderson era um homem de personalidade introvertida. Jamais comentava seus sucessos ou seus insucessos, de modo que pouca gente conseguia penetrar no seu mundo particular. Alguns amigos mais chegados garantiam que, apesar do seu reconhecimento como músico, ele ainda guardava alguma mágoa por não ter conseguido realizar o sonho dos seus pais no exercício da profissão de químico ou farmacêutico. Esta insatisfação se tornava evidente quando ele não estava envolvido com a música ou quando tinha a oportunidade de reciclar seu conhecimento científico com alguém.

Em 1945, Henderson estava caminhando pela Quinta Avenida quando se encontrou com um ex-colega da Universidade de Atlanta chamado George Stampton. Ambos se reconheceram de pronto, apesar dos vinte e cinco anos que haviam passado desde a época da faculdade.

Resolveram jantar num dos restaurantes da região, e Henderson, contrariando seus hábitos franciscanos, resolveu tomar uma taça de vinho tinto. Stampton trabalhava como químico no setor de controle de qualidade numa fábrica de biscoitos nos arredores de Nova York e vinha de vez em quando à cidade para comprar produtos de laboratório. Estava satisfeito com a vida e com a profissão, mas sabia que na sua área de atuação jamais alcançaria o sucesso e o renome que o amigo havia alcançado como músico.

Henderson também se disse satisfeito, mas pela primeira vez conseguiu desabafar com alguém, talvez por saber que dificilmente voltaria a vê-lo outra vez: “o mundo artístico é como um vórtice – você gira e gira e nunca sabe onde vai parar”. Ele frisou que possivelmente se sentiria menos cansado se tivesse tido a paciência de esperar pelo momento exato de ser farmacêutico, em algum lugar.

Fletcher Henderson se sentia solitário e era então uma pessoa entristecida, apesar de viver dentro de um alto padrão.

 

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Em 1950, Fletcher Henderson sentiu-se mal e desmaiou em plena Quinta Avenida, seu local favorito para passear e meditar. Foi diagnosticado um sério problema cardíaco, do qual ele jamais chegou a se recuperar totalmente. Desanimado e sem forças para reagir e retomar suas atividades de músico, ele morreu no dia 28 de dezembro de 1952. Tinha apenas 54 anos.

O professor de música e pesquisador Jeffrey Magee escreveu a biografia de Fletcher Henderson no livro “Fletcher Henderson and Big Band Jazz: The Uncrowned King of Swing” (Fletcher Henderson e o Jazz das Big Bands: O Rei do Swing que não foi coroado), e comenta as características que fizeram de Henderson um músico notável escondido dentro de um artista pouco ousado.

Talvez sua melhor homenagem tenha sido prestada logo nas primeiras páginas, onde Magee afirma que “...se Benny Goodman foi o ‘Rei do Swing’, Fletcher Henderson foi o homem que esteve por detrás do trono. Ele contribuiu decisivamente para o sucesso das carreiras não apenas de Benny Goodman, mas também de Louis Armstrong e de Coleman Hawkins”.

Nada como um biógrafo para colocar os fatos históricos no seu devido lugar.

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