segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

 


PÁGINAS ESCOLHIDAS
(Augusto Pellegrini)

O FANTASMA DA FM (1992)

CLICHÊS – O EMPRÉSTIMO

“Rapaz, que bom te ver! Estou precisando de um favorzinho!”
Esta forma de abordagem sempre me faz ouriçar os pelos da nuca.
Era o Cleto Nó Cego, o Anacleto Boa Conversa, se chegando insidiosamente para pedir “algum” emprestado. Tento me esquivar, mas ele se põe na minha frente como um leão que não vai deixar a presa escapar.
‘Sim?” – respondo cautelosamente olhando bem firme nos seus olhos e tentando ler a mente do meu opositor assim como o fazem os pugilistas nas grandes noites de disputa de título, o cinturão em jogo.   
“Você sabe – diz ele – estou para receber uma grana de um negócio que fechei no interior – coisa de mais de dez mil – mas no momento estou precisando de cem reais, só até terça-feira.
Quando abro a boca para contestar, ele dispara outro míssil – “já consegui o Cheque Ouro do Banco do Brasil, mas o gerente só vai liberar a semana que vem!”
“E pra que você precisa de cem, agora?...” – faço a pergunta na hora errada, pois o meu interlocutor acha que estou concordando com a pedida. Tento então contra atacar – “eu gostaria de ajudá-lo, mas no momento estou com o bolso curto” – emendei.
“Mas o que são cem pratas pra você? Não vai me dizer que você está com receio de me emprestar essa mixaria…”
(Não é receio, é pavor, mesmo).
Lembrei-me dos cinquenta do Alexandre, dos oitenta do Mesquita, os duzentos da loja de móveis e pensei naquela fiança que o Antônio Carlos teve que pagar, além dos cheques sem fundo passados para o mercadinho que agora adornam o quadro cheio de cheques devolvidos dos maus pagadores.
(Um sujeito desses deveria ser o Secretário de Finanças do Município, tal a habilidade que tem em conseguir fundos com conversa mole).
Então me lembrei dos cem que ele me havia pedido há mais de dois anos pra comprar remédios para uma avó que já havia morrido, e lhe lancei na cara a minha indignação.
“Você já me deve cem, nunca pagou, e tem a coragem de pedir mais cem!?”
Então, na maior cara-de-pau ele propõe – “pois é, já que eu lhe devo cem e você me deve os cem que eu estou pedindo, você me passa a grana e a gente fica quites”.

(Uma rápida apresentação a respeito de um especialista em finanças) 

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