terça-feira, 22 de março de 2022

 

                                  Na foto: Ataulfo Alves

COMO NASCEM AS CANÇÕES
(Augusto Pellegrini)
 

(Parte 4) 

Sempre vale a pena rever os registros de uma interessante sequência de músicas de Ataulfo Alves nascidas em virtude do romance que a cantora Carmen Costa (por quem Ataulfo era apaixonado) mantinha com um compositor menos famoso chamado Mirabeau Pinheiro.

As deliciosas provocações nunca passaram das noitadas de violão, embora chegassem a ser gravadas, inclusive pelos próprios Ataulfo e Carmem, num mesmo disco.

Entre as músicas, podemos citar algumas preciosidades de Ataulfo como “Pois É”, onde ele ironiza uma briga de Mirabeau e Carmen (“Pois é, falaram tanto / Que desta vez a morena foi embora / Disseram que ela era a maioral / E eu é que não soube aproveitar / Endeusaram a morena tanto, tanto / Que ela resolveu me abandonar...”), respondida pela própria cantora com “A Morena Sou Eu”, de Mirabeau e Milton de Oliveira (“Aqui você rirá dizendo a todos / Pois é, pois é, pois é / Quem sabe a quentura da panela / É a colher, é a colher / Chega o que ela já sofreu / Quem de vocês já conhece / Que a morena sou eu...”), que foi respondido magistralmente por Ataulfo com “Sai Do Meu Caminho” (“Eu nada lhe perguntei / Não há razão pra você me responder / A carapuça na cabeça não lhe cabe / Meu caso é outro / Eu bem sei que você sabe / Sai do meu caminho / Não estrague os dias meus / Deixe-me em paz pelo amor do Santo Deus / Pois a morena que eu falava na minha canção / É diferente da sua insinuação”).

As canções também podem nascer a partir de homenagens prestadas a músicos que partiram e fizeram falta, abrindo uma lacuna irreparável sentida por ouvintes, amigos e admiradores.                

Quando Francisco Alves morreu em 1952 num acidente automobilístico na Via Dutra – rodovia que liga Rio a São Paulo – houve uma comoção nacional. O cantor, verdadeiro ídolo da música popular brasileira estava no auge da fama, e acabou sendo objeto de inúmeras homenagens, como a prestada por Nássara e Wilson Batista com o samba “Chico Viola” (“Salve Estácio, Salgueiro e Mangueira / todo o Brasil emudeceu / chora o mundo inteiro / o Chico Viola morreu...”). Na segunda parte da música, Wilson Batista relembrou seu antigo desafeto Noel Rosa, quando coloca Francisco Alves no mesmo patamar dele (“Na voz do seu plangente violão / ele deixou seu coração / partiu, disse adeus, foi pro céu / foi fazer, foi fazer / companhia pro Noel”).

O mesmo Noel também recebeu um tributo através do samba-canção “Escuta Noel” composto e interpretado por Maysa em 1957 (“Onde estás, Noel, que não escutas / Os plágios das tuas músicas / Que se ouvem por aí / Frequentaste tanto tempo academia de melodia / O samba não se faz por amizade ou simpatia /  O samba agora criou outro estilo / Sambista só sabe sambar pra granfino / E a favela agora é ponto de turista, de soçaite, de artista / A poesia acabou / Vem Noel, vem fazer a serenata / Tua música faz falta e ninguém nunca igualou”).

 

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