segunda-feira, 26 de maio de 2014






CAMISA AMARELA

 

O compositor e pianista Ary Barroso compôs o samba “Camisa Amarela” em 1939, um ano depois de o Brasil chegar em terceiro lugar na Copa do Mundo da França.
Para quem não lembra ou não conhece, a música começa com “encontrei o meu pedaço na avenida de camisa amarela cantando a Florisbela, oi, a Florisbela...” e pode ser ouvida no youtube nas vozes de Nara Leão, Gal Costa ou Aracy de Almeida. Posso adiantar que vale a pena.
Naquele tempo, as cores do escrete eram branco e azul, e o nosso compositor não fazia a menor ideia de como tudo estaria mudado setenta e cinco anos depois e qual seria a importância de uma camisa amarela no Brasil do futuro.
O escrete adotaria a cor amarelo-canário na camisa quinze anos mais tarde e quatro anos depois dessa adoção deixaria de ser um perdedor. A citada avenida também não mais abrigaria o também decantado carnaval – então quase um bloco de sujos – que seria transportado para um engalanado sambódromo, com direito a arquibancadas, camarotes e cobertura da televisão (também naquela época apenas um sonho em formatação).
Quando morreu, em 1964, Ary já havia percebido o significado de uma camisa amarela, depois de um bicampeonato tupiniquim, bem apropriado para ele que adorava futebol (era também locutor esportivo e um flamenguista alucinado) e amava as coisas do Brasil, que estampou nas suas músicas como poucos o fizeram.
A camisa amarela virou vestimenta obrigatória do cidadão brasileiro de quatro em quatro anos, crescendo de importância ao mesmo tempo em que o samba de Ary caía no esquecimento e dava lugar a outras novidades.
Se a camisa amarela já era uma febre quando a Copa do Mundo era disputada em longínquos rincões, imaginem agora, que a febre vai se espalhar dentro do próprio Brasil e unir os torcedores que roem as unhas durante os jogos da seleção, a despeito de outros tantos que aproveitarão o espaço democrático para fazer manifestações, reivindicatórias ou não.
O clima de futebol está pouco a pouco aquecendo nestas semanas que antecedem o pontapé inicial, e os grandes clubes brasileiros vão se engajando na proposta de colaborar com o evento, cedendo de boa vontade – embora compulsoriamente – seus centros de treinamento para abrigar as seleções estrangeiras, e adotando a camisa amarela como uniforme oficial nos jogos do Campeonato Brasileiro, deixando de lado as suas cores tradicionais.
É claro que por trás desse patriotismo clubístico existe dinheiro – muito dinheiro. Os homens do marketing estão aproveitando a deixa e explorando a tática manjada de criar um novo modelo de camisa oficial – que eles chamam de uniforme número três – para consumo dos colecionadores, dando a eles novas opções de escolha dentro da lojinha dos clubes.
A Nike, parceira da CBF, promoveu o lançamento simultâneo das camisas amarelas dos clubes para os quais fornece o uniforme – Corinthians, Santos, Internacional, Coritiba e Bahia – enfatizando a importância da sua valorização para que os torcedores estabeleçam uma identificação entre os seus clubes e a seleção canarinho.
O Cruzeiro e o Palmeiras também embarcaram na onda, apesar de, respectivamente, terem a Olympikus e a Adidas como patrocinadoras, mas tiveram que pedir o aval da CBF. E a Penalty, em cima da hora, também lançou camisas amarelas para o São Paulo, o Figueirense, o Vasco, o Santa Cruz e o Ceará, que talvez não cheguem a envergá-las no campeonato, mas as colocarão à disposição dos torcedores colecionadores.
Mas existe um detalhe: tem muito torcedor que, mesmo torcendo pela camisa amarela da seleção, não aprova a ideia de ver seu clube mudar de cores e está torcendo o nariz com a descaracterização dos uniformes, por achá-la esdrúxula e descabida.
Porque, no futebol, a tradição ainda conta muito.

 

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