terça-feira, 10 de junho de 2014





ENTREVISTAS, PAINÉIS E SALTO ALTO

 
ARTIGO PUBLICADO NO CADERNO “SUPER ESPORTES” DO JORNAL “O IMPARCIAL” DE 09/11/2014

 

Os dias que antecedem uma Copa do Mundo são de uma intensa chatice jornalística, pois não há nada mais complicado do que relatar o anteclímax de um evento.
A imprensa se alimenta de fatos, e quando os fatos inexistem ou estão escondidos resta apenas a especulação, que todos procuram evitar, pois o risco de praticar o antijornalismo é muito grande se o profissional atentar apenas para os boatos e as meias-verdades.
Na falta do que fazer, as emissoras de televisão estão juntando o útil ao agradável – embora inútil e desagradável para os telespectadores na maioria das vezes – apresentando longas e entediantes entrevistas com os jogadores. 
O contrato das emissoras com a CBF obriga a entidade a disponibilizar as suas celebridades cujas entrevistas são mais ou menos direcionadas pelo assessor de imprensa Rodrigo Paiva. Obriga também as emissoras a fazer a cobertura, se não para informar, pelo menos para mostrar a logomarca dos patrocinadores, estrategicamente colocadas num painel amarelo como pano de fundo.
Assim, o telespectador pode entrar em contato visual com os responsáveis pela transmissão das partidas da Copa. E dá-lhe Guaraná Antártica, Vivo, Banco Itaú, Volkswagen, Sadia, Nestlé, Mastercard, Samsung, Gol, Seguros Unimed, Extra, Gilette e Nike, cada qual responsável por uma gorda fatia do faturamento da Fifa, da CBF e das emissoras.
É bom que fique claro para todos que ao declinar estes nomes o autor deste artigo não tem acesso a nem um tostão da verba e que faz menção a eles somente para que o leitor possa imaginar o custo x benefício das fastidiosas entrevistas.
Nas primeiras delas foram entrevistados Felipão, seu escudeiro Murtosa e o coordenador Parreira, que encheram a bola dos jogadores afirmando que o Brasil ganhará a Copa. Depois veio o médico Doutor Runco com a sua entourage tratando os jornalistas com casca e tudo – alguma coisa tinha que sobrar da era Dunga. Só depois os jogadores foram comparecendo, aos pares, dia após dia.
Entrevistas deste tipo não acrescentam nada a quem quer realmente saber sobre as coisas do futebol. Os mesmos repórteres fazem sempre as mesmas perguntas e os atletas dão sempre as mesmas respostas pasteurizadas.
É como se fosse um ritual ensaiado onde não faltam afirmações sobre o ânimo das atletas, o clima de amizade existente entre eles, a confiança no “professor” e nos resultados positivos para a conquista do título e o respeito aos adversários. E não podia mesmo ser diferente, até porque para a maioria dos jogadores faltam o brilho e a eloquência discursiva e sobram recomendações para que roupas sujas não sejam lavadas em público – caso as roupas precisem mesmo ser lavadas, que o sejam no mais íntimo recesso da concentração, de preferência com a participação apenas dos envolvidos e dos seus chefes.
As declarações dos jogadores são sempre os mesmos e manjados chavões, restando ao torcedor uma réstia de esperança de que algum deles tropece e fale alguma coisa fora do script. Mas, entrevistas e painéis à parte, parece ser impossível que não se instale na concentração um clima de oba-oba, pois o entra-e-sai de pessoas ligadas aos patrocinadores, de astros da televisão, familiares e ex-jogadores faz com que a concentração crie um ar de descontração, transformando tudo em uma grande desconcentração.
Segurar a taça antes do tempo e comemorar os gols antes deles ter saído pode ter um efeito muito negativo. 
Está faltando a observância de uma regra que sirva para todos – dirigentes, jogadores e até alguns jornalistas mais engajados: evitar o perigoso discurso do “já ganhou”.  
A história mostra precedentes perigosos, pra não dizer fatais. 

                                                                                        Augusto Pellegrini

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