quinta-feira, 23 de outubro de 2014





AS CURVAS DA ESTRADA DE SANTOS 

(ARTIGO PUBLICADO NO CADERNO “SUPER ESPORTES” DO JORNAL “O IMPARCIAL” DE 23/10/2014) 

Infelizmente, volta e meia o cronista tem que voltar ao mesmo assunto e destacar a violência que campeia no futebol.  Desagradável, mas necessário.
A violência grassa dentro dos estádios, do lado de fora dos portões, nas suas cercanias, nas vias de acesso, nas sedes dos clubes e até em pontos distantes e insuspeitos, como na Via Anchieta, estrada que liga São Paulo ao litoral paulista e que foi palco de atropelamento com morte na tarde de domingo.
Atropelamentos em estradas são geralmente provocados por imprudência do pedestre ou negligência do motorista, mas este aqui foi um ato criminoso, pois teria sido uma resposta ao apedrejamento de um ônibus que transportava a Torcida Jovem do Santos. O ônibus foi emboscado por torcedores palmeirenses numa resposta a outra emboscada semelhante feita pelos santistas na partida do primeiro turno. E o motorista atropelador era um torcedor santista que aparentemente escoltava o ônibus.
Assim, como se vê, não existe diferença entre agredidos e agressores, pois todos são delinquentes do mesmo naipe.
Este é o terceiro caso de morte de torcedor registrado este ano (quarto, se contarmos com o torcedor pernambucano que foi atingido por um vaso sanitário na saída do Estádio do Arruda, em Recife), e a Justiça continua agindo a passo de tartaruga.
No início do ano, um santista morreu o ser espancado por são-paulinos numa parada de ônibus. Há menos de três meses foi a vez de um palmeirense ser morto numa batalha travada com corintianos na cidade de Franco da Rocha, município localizado na região metropolitana de São Paulo.
No caso deste fim de semana, além do palmeirense morto, outros dois também foram atropelados, e há um relato de que também houve feridos a bala por disparos feitos por ninguém sabe quem.
Junto com os torcedores palmeirenses foram encontrados rojões, pedaços de pau e facas, o que demonstra que os torcedores se dirigiam ao Estádio do Pacaembu com intenções nada pacíficas.
Apesar das repetidas ocorrências de violência, as torcidas organizadas de todos os clubes continuam a receber o apoio logístico e financeiro dos clubes, por diversos motivos.
Em primeiro lugar, seus membros são eficientes cabos eleitorais que ajudam a eleger presidentes e a nomear dirigentes. Alguns dirigentes de clubes são, eles próprios, ex-integrantes de facções organizadas. Além do mais, os cartolas têm medo deles e das represálias que eles representam, mas ao agir como se nada estivesse acontecendo se tornam cúmplices dos assassinatos cometidos.
As torcidas organizadas também representam público – muito embora não representem lucro, porque via de regra estes torcedores entram de graça – num campeonato tão carente de torcida por causa da banalidade do excesso de jogos e do preço dos ingressos. E da violência, é bom lembrar.
O Brasil ocupa neste momento a triste liderança mundial no ranking de violência no futebol, tendo ultrapassado a Argentina e a Itália neste quesito, e apresenta números estarrecedores: 155 mortes desde 1988, o que significa uma média de 5,7 mortes por ano, um verdadeiro absurdo.
É claro que a escalada da violência não se limita ao futebol e é atualmente uma praga nacional, fazendo parte do cardápio de uma população cada vez mais desrespeitosa com a segurança e com os direitos dos seus semelhantes. As ocorrências se multiplicam nas escolas, no trânsito, nas manifestações e nos grandes aglomerados e têm nos jovens – rebeldes com ou sem causa, não vem ao caso – os seus principais incentivadores.
E assim, entre paus e pedras, a vida humana vai ficando cada vez mais fragilizada e a lei – ora, a lei – continua figurando nas páginas do código penal.

 

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