quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017





O POLÍTICO - III

Ali estava o velho político,
morto, e além do mais, convicto.
Porém não tão convicto quanto deveria estar,
pois morto é morto, e não tem o direito de se levantar.

Ressureição, paz e anjos!
Será que este velho é santo?
Se não, que mistério é esse,
o que vejo é certo aqui deste canto?

Já me disseram que a morte
não é tão morte, nem clínica,
já me disseram um dia.
Mas pra deixar de ser morte
depois de frio o defunto,
só sendo catalepsia.

Mas estas portas fechadas,
estas janelas de grades
e este pavor no meu estômago
fazem-me saber de pronto
que se não há ainda um morto,
haverá logo um, de emborco.

Além da fome e do engano,
da peste e da baioneta,
também mata e fere o medo,
mata ou muda a consciência.

Não é correto nem justo
que os bons permaneçam mortos
e que este patife defunto
se levante e à vida volte.

Compreendo que não estava morto,
apenas fingindo estava,
talvez pra sentir o gosto
de saber quem o odiava.

E percebeu, nesse dia,
muito embora já o soubesse,
que no velório não havia
um cristão que o conviesse.

Nem lágrimas, nem soluços,
nem adeuses, lenços brancos.
Só eu, curioso inconsciente,
me encontro aqui neste canto.

1988


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