sexta-feira, 1 de setembro de 2017

                                                                               




                                                   OS SAPATOS DO SENADOR

                                                         (TERCEIRA PARTE)
                                                                            
O tempo passou depressa e enfim chegou a noite do grande dia.
Expectativas em alta, tudo estava correndo às mil maravilhas, mas na hora em que Bacana, mais bacana do que nunca, estava se vestindo para o evento, um problema inesperado apareceu.
Ele percebeu, horrorizado, enquanto o stylist se encontrava ocupado providenciando os retoques da hora, que Dani havia se esquecido de comprar os sapatos apropriados para combinar com a indumentária.
O traje de gala estava lá no cabide, observando a cena ao lado da camisa branca de brocados e da gravata borboleta pronta para receber o nó do estilista, e até o finíssimo par de meias de seda já repousava sobre a cama pronto para ser calçado, mas o par de sapatos que ele tinha de mais chique eram os tais mocassins, que absolutamente não combinavam com o protocolo.
Ligou para Danielle diante do olhar inexpressivo do stylist e colocou-a a par do infortúnio.
“Tenha calma” – disse ela – “isso não é nada que não possa ser resolvido”. Aconselhou-o então a ficar totalmente preparado, apenas sem os sapatos, e falou que iria apanhá-lo de carro dali a quarenta minutos na porta do prédio, pois teria problemas para estacionar.
Ancelmo seguiu o seu conselho e continuou com o seu bem vestir. Meia hora depois olhou-se no espelho, aprovou o seu visual e decidiu que era hora de dispensar o stylist, que parecia pouco à vontade com visão apocalítica da falta do par de sapatos, como se o rapaz fosse uma obra faltando acabamento.
Enquanto isso, do outro lado da cidade, Danielle foi ao quarto de vestir do pai, felizmente vazio naquela hora, invadiu o armário que enfileirava incontáveis pares de sapatos de todos os modelos e cores e escolheu aquele belo produto cortado e costurado à mão no atelier de Salvatore Ferragamo por seus mestres artesãos, fabricado em legítimo cromo alemão, preto e luzidio como uma pedra preciosa.
Carregou com os sapatos, desceu até a garagem, entrou no carro, engatou a primeira marcha e foi ao encontro do seu amado.
Ancelmo aguardava na porta do prédio, cheio de preocupação em ser visto naquela situação por algum morador que chegasse – ou que saísse – parecendo um príncipe encantado de meias pretas pisando o chão frio da noite de outono. Uma espécie de Cinderela sem sapatos.
Os minutos custavam a passar e Ancelmo começou a se sentir incomodado. Tinha a impressão de que todos olhavam para ele de dentro dos carros que passavam, com a mesma curiosidade de quem olha um macaco enjaulado.
Finalmente Dani apareceu ao volante do seu Porsche prateado, com o refinado par de sapatos repousando sobre o banco.
Ancelmo entrou no carro e ato contínuo calçou a preciosidade com muito cuidado. Folgava um pouco nos pés, mas era melhor do que se estivesse apertado.
E aí foram eles, em direção ao Automóvel Clube, onde grandes emoções os aguardavam.
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O senador estava ao mesmo tempo confuso e irritado.
“Onde diabos está o par de sapatos de cromo alemão que eu encomendei especialmente para esta festa? Tenho certeza de que os coloquei aqui!” – resmungava ele, olhando para o armário cujas prateleiras desfilavam dezenas de calçados sociais e esportivos.
“Erivélton!!” – o senador chamou o mordomo. “Você sabe onde estão os meus sapatos novos? Aquele sapato preto que eu mandei vir da Itália na semana passada?”.
Erivélton respondeu que não havia aberto o armário de sapatos hoje, mas que se lembrava perfeitamente do par de sapatos pretos brilhando na primeira prateleira. Mas não fazia e menor ideia de porque os sapatos não estavam lá.  
Sem tempo para continuar procurando e sem outra alternativa viável, o doutor Anacleto resolveu lançar mão de um outro par de sapatos, igualmente preto e igualmente importado, que havia sido usado apenas uma vez, na posse do ministro do Supremo Tribunal.

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