quarta-feira, 4 de outubro de 2017




A LUXÚRIA

(Parte Dois)


Josué parecia um desses macaquinhos que davam espetáculos nas ruas com um bonezinho vermelho e uniforme de mensageiro de hotel, a roupa rubro-anil dos figurantes circenses, o rabo a dar volteios, o olhar lançando chispas atrevidas e uma canequinha de folha de flandres na mão simiesca estendida para os passantes à cata de moedas. Na cintura uma larga tira de couro com uma corrente presa à cintura do dono, que movia a alavanca do seu realejo fazendo soar uma valsa francesa do século 18.
Mal comparando, assim era o nosso herói Josué, vivo e esperto, pequenino e ágil, que chegava a ser insignificante no seu porte sem postura, um anti-herói da brigada dos eletricistas.
Trabalhava no escritório de uma grande empresa, onde era uma espécie de coringa – precisa trocar uma lâmpada, chama o Josué, precisa serrar um sarrafo, onde está o Josué?, precisa desmontar esta droga de bomba, fala com o Josué, a fechadura da sala de cópias emperrou, diz pro Josué vir aqui, a descarga do vaso está enguiçada, o negócio é com o Josué, o chefe está com azia, pede pro Josué trazer um sal de frutas.
Josué era sempre visto subindo numa escada, agachado em baixo da pia, carregando alguma ferramenta, apertando algum parafuso, emendando algum fio ou martelando alguma prancha de madeira.
E estava sempre muito disposto e bem-humorado, rindo o seu riso divertido, coçando a cabeça quando tinha alguma dúvida, sempre prestativo e sempre pronto para servir as pessoas com necessidades que estivessem ao seu alcance.
Josué era o tipo inofensivo, indefeso e inimaginável. Utilitário.
Muito respeitador, a todos chamava por senhor, senhora ou dona – “pois não Dona Sandra, já vou verificar a sua gaveta...” – e se enfiava por debaixo da mesa sem aparentemente notar que Dona Sandra era simplesmente a Sandrinha, no esplendor dos seus vinte e um anos, sempre usando uma apetecível minissaia que despertava olhares incontidos dos circunstantes. Ele fazia também seus artesanatos sem nunca espichar o olho para a anatomia de Dona Risoleta, uma coroa do tipo cama-e-mesa, mais cama que mesa – diziam à socapa – que andava prevaricando com o diretor administrativo.
Josué nunca deu sequer um suspiro de emoção ao se deparar com a exuberância de Vera Lúcia a remexer com as cadeiras pelo saguão, o círculo polar antártico subindo e descendo a cada passo dado quando vista de costas, o vale amazônico de vegetação luxuriosa se fazendo presente na saia justa como uma foto feita por satélite se olhada de frente.
E Josué seguia pintando, pregando, apertando, ligando, subindo, descendo, engraxando e assoviando sem se aperceber do paraíso à sua volta, da verdadeira exposição de gestos concupiscentes e olhares lascivos que aconteciam em derredor.
Amado por todos, Josué era um anjo assexuado incapaz de fazer mal a uma mosca ou a uma moça, aquele do tipo “só deixo minha filha ir àquela festa se o Josué for junto...” – isto seria um elogio ou um insulto? – pois ele era aquele eunuco mesmo não sendo eunuco que poderia cuidar de todo um harém sem pecar contra a castidade nem em pensamento, nem em palavras nem em obras.
Josué era aquele a quem o diretor administrativo confiava Dona Risoleta e seus múltiplos pacotes nas tardes ensolaradas de compras desde a loja até o quarto, e olha que Dona Risoleta era apaixonada por finas lingeries!

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