quarta-feira, 27 de dezembro de 2017






O CINEMA

(Conto publicado no livro “O Fantasma da FM” em 1992. Vale observar que a situação, a terminologia e os filmes mencionados retratam uma ida ao cinema trinta e cinco anos atrás.)
(Parte 1)


Primeiro a expectativa.
Consultamos o jornal à procura do melhor filme – aqui tem um candidato a sete Oscares, ali um premiado em Cannes, alhures um grande sucesso em mil novecentos e setenta e dois, algures uma comédia picante imprópria para menores de dezesseis anos e mais além um “science-fiction” à Spielberg cheio de infantilidades adultas.
Ainda sem decidir qual desses iremos assistir, nos preparamos psicologicamente para rir com Woody Allen, para chorar com Kraker vs Kramer, para liberar nossa adrenalina com Stallone ou para nos apaixonar perdidamente por Isabelle Adjani.
Lavamos a cara depois da barba feita, aplicamos uma demão de lanolina, colocamos uma camisa decente após o banho tomado, apanhamos o carro que descansa sossegadamente na garagem e partimos para a grande aventura. Aquele filme de setenta e dois parece ser uma boa escolha.
Aí começam os problemas. O primeiro deles é o estacionamento. Num raio de trezentos metros do cinema não há espaço nem para uma bicicleta, então o jeito é parar lá embaixo, próximo do outro cinema que exibe um filme que decidimos não ver, e caminhar a pé, preocupado com o segundo problema.
O segundo problema é a segurança – a nossa e a do carro. Erguemos uma prece[A1] [A2]  para o Altíssimo a fim de que consigamos caminhar os seiscentos metros ida-e-volta sem sermos importunados por algum meliante – “isto é um assalto!” – principalmente no término da sessão, quando já será noite alta. Fazemos um cálculo mental do valor do reembolso do seguro após o carro ter sido roubado, depenado e transformado em “buggy”, mas estes pensamentos macabros são interrompidos pelo terceiro problema.
O terceiro problema é a fila para comprar o ingresso, que rodopia lentamente cheia de pernas como uma centopeia, e depois do ingresso comprado a fila para ingressar no saguão e ficar aguardando a sessão terminar para finalmente adentrar a sala de projeção olhando para alguns cartazes dependurados aqui e ali anunciando os futuros sucessos de bilheteria.  
A sessão termina e imediatamente começa o quarto problema, a busca do lugar ideal. De acordo com a Teoria das Probabilidades, na minha frente deverá se sentar um cidadão alto e de topete. Então, mudo para duas poltronas à direita e me vem o temor que na minha frente venha a se sentar um camarada irrequieto que se move o tempo todo, me obrigando a balançar feito pêndulo de relógio de parede.

SEGUE




 [A1]
 [A2]

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