sexta-feira, 26 de julho de 2019






O POLÍTICO
(Excerto)

Ali estava o velho político. Morto, e além do mais, convicto.
O peito, que antes estufava de elogios e medalhas
Agora estufa de vermes, e de moscas na mortalha
As mãos que faziam o ambiente tenso
Agora estão imóveis, segurando um terço
Antes, da multidão o delírio. Agora resta um silêncio vazio

Desde quando menino sonhava. O poder queria, a todo custo
Com ou sem honestidade, a liderança pedia; achava justo
Conseguiu-a com dinheiro – pai ricaço, industrial, berço de ouro
Seu prestígio cimentava luz e glória, tal e qual o pressuposto

Quem nasceu sem sociedade e sem recursos, não interessava
Sociedade era pra ele a fina casta da porção sofisticada
Na juventude não teve amigo ou companheiro que fosse pobre
A virtude nunca conta. A vida com mais dinheiro se faz mais nobre

Sem exames rigorosos ingressou na faculdade de advogados
De janota prepotente a jurista consagrado foi transportado
Em pleno baile de gala, luzes e cristais brilhando, traje a rigor
Recebeu os parabéns e os elogios gentis do próprio governador

A indústria do pai crescera, encontrara um meio de sonegar
E hoje era parte integrante da segurança nacional
Que o povo pedisse água, passasse fome, e ele com isso?
O pai lhe mostrara a arte de ver de frente só o bonito

De bacharel à gloriosa e emocionante corrida eleitoral
Pois... onde a reconhecida capacidade de advogar?
E foi eleito, fez lei e discurso em homenagem ao morto pai
Que lhe dera como herança toda a bagagem de industrial

Fez mais mal que a peste negra, que a peste branca, que a peste
Tanto mal, que a própria peste não achou um meio de ser-lhe fértil
Fez gatunagens, suborno, negócios inconfessáveis, mas ninguém soube
Foi inimigo da pátria: seu território, suas águas, vendeu a lote

Mas na vida tudo acaba, e o nosso livro chega enfim à última página
Ali estava o velho político. Morto, e além do mais, convicto


           1988
 

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