sexta-feira, 2 de agosto de 2019







A VIDA INGLÓRIA DE TALARICO JOSÉ
(Excerto - II)

Eis a sua grande desdita: chamar-se Talarico.
Poderiam ter posto o nome de Teobaldo ou Estêvão, mas seu pai – um redondo cavalheiro de bigodeira austera – preferiu um nome de armas a um nome de almas.
Isto pensava ele – o pai – que errou desde o princípio, pois nunca se ouviu falar de um general ou soldado, estratego ou simples aguadeiro, ou sequer de um cavalo que, pronto e ajaezado para a luta, respondesse por tal nome.
Alarico, sim, vândalo e destemido, devastador de aldeias, degolador de populações civis e incivis, violador de virgens e de princípios, um cavaleiro negro às avessas, o que não indica que fosse branco – era amarelo de cara cozida e cabelos de milho, o doce encanto dos visigodos, mas sobrou um T.
Tímido, envergonhado e introvertido, Talarico também jamais chegou a ser um talarico, para a tranquilidade e o sossego dos maridos que o circundavam.
O José entrou de intrometido, o padre batizando com os devidos paramentos, respingos e borrifos, o pobre Talarico chorando, agora berrando – “Como se chamará o menino?” – “Ele se chamará Talarico, senhor padre, Talarico José” – “Então eu te batizo, Talarico José, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo!” – e todos ouvindo, sem reclamar, é preciso ter nome de santo para crescer com Deus, o padre assentindo.
O que todos esquecem é que o homem, ímpio por natureza,  criou à sua conveniência a existência de dois Deus, não apenas um. O Deus dos opulentos e o Deus dos desgraçados, andando de braço dado no Jardim do Éden, agora livres do primeiro homem, da primeira mulher e da primeira cobra, cada qual zelando pelo seu rebanho.
“Mas não é a cara da mãe?” – que Deus o livre de semelhante desventura: a mãe tem a cara de uma matrona renascentista pintada por um aprendiz.
“Não tem os olhos do pai?” – ao que o inglório infante, ao fitar os olhos empapuçados do pai, desatou num choro copioso, convulsivo e compreensível.
Definitivamente Talarico parece ser o prefácio antecipando um livro de aventuras que vai finalizar como um libreto de ópera bufa.
O tempo dirá.   


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