terça-feira, 15 de setembro de 2020

 


                                            Na foto: Bob Dylan, Benny Goodman e John Hammond 

AS CORES DO SWING
            (Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 11 - O REI DO SWING
            (continuação)


John Hammond era um bon-vivant de classe rica que se afeiçoou pelo jazz de tal maneira que direcionou a sua vida a ajudar os artistas que ele considerava terem valor.

Branco, risonho e simpático, quem sabe Hammond pudesse ter feito sucesso na indústria cinematográfica, mas o fato é que ele se sentiu irremediavelmente atraído pela música, principalmente aquela de contornos negros, como o blues, o jazz tradicional e o swing.

A conservadora família de Hammond não aprovava de jeito algum o modo de vida do rapaz, que se transformou numa espécie de “playboy” rebelde, embora o termo ainda não existisse no final dos anos 1920. A família também não aprovava as incursões de Hammond junto à comunidade negra de Nova York, onde ele participava ativamente do movimento Harlem Renaissance, convivendo com músicos, poetas e jornalistas que pregavam um estilo de vida de acordo com as raízes africanas.

Participando intensamente do clima do Harlem, não foi difícil para Hammond conviver com o jazz das casas noturnas, desde as mais modestas biroscas até os melhores clubes, e com músicos talentosos, alguns dos quais não conseguiam encontrar espaço para desenvolver a sua arte e crescer no panorama musical de Nova York.

Seu faro para investir em artistas promissores foi fundamental para a carreira de muitos músicos que perambulavam de casa em casa, e o seu envolvimento com o jazz acabou por transformá-lo em um empresário, crítico musical, conselheiro, produtor e descobridor de talentos. John Hammond foi responsável pela projeção de inúmeros jazzistas e blueseiros, como Benny Goodman, Charlie Christian, Freddie Green, Count Basie, Teddy Wilson, Lionel Hampton, Billie Holiday, Joe Turner, Robert Johnson e Bessie Smith (no futuro, ele também iria promover o crescimento de astros como Bob Dylan, Aretha Franklin, George Benson, Peter Seeger, Bruce Springsteen, Steve Ray Vaughn e também seu filho, John Hammond Jr.).

Talvez com o intuito de tornar mais romântica a presença de John Hammond no campo da música, muitos biógrafos costumam ignorar o fato de que ele possuía uma educação musical formal, tendo aprendido viola e violino na Universidade de Yale antes de se defrontar com Bessie Smith no Teatro Alhambra e se apaixonar pelo jazz e pelo blues.

Mais de uma geração de músicos passou pelas suas mãos, quer dependendo de uma indicação ou de uma ajuda financeira, quer descolando um contrato aqui ou acolá, ou ainda fazendo parte de gravações que o tinham como produtor.

Foi esse John Hammond que, ao saber que Benny Goodman iria participar semanalmente do programa Let’s Dance, transmitido de costa a costa nos Estados Unidos pela Rádio NBC, sugeriu ao maestro que comprasse alguns arranjos de Fletcher Henderson para aumentar o repertório e o brilho das suas apresentações.

Para participar do programa, Goodman e sua recém-criada orquestra haviam passado por uma seleção prévia feita pela emissora e obtido a chance de executar a parte jazzística do programa – a música orquestral mais ortodoxa ficava a cargo da desconhecida orquestra de Kel Murray e a parte mais popular com a orquestra latina de Xavier Cugat, músico titular do famoso Hotel Waldorf-Astoria.

O programa Let’s Dance ajudou a tornar a orquestra de Benny Goodman definitivamente conhecida, pois levou o seu som para todos os recantos dos Estados Unidos. Por conta dessa divulgação quis o destino que ele regressasse a Los Angeles para cumprir um contrato negociado por John Hammond e fazer algumas apresentações na melhor casa noturna da cidade, o Palomar Ballroom.

Sua chegada mexeu com o show business local, pois as concorrentes do Palomar – o Venice, o La Monica, o Mandarim e o Casino Gardens – também fizeram propostas atraentes para contar com o concurso da sua orquestra, coqueluche do momento. Chegou a ser criado um certo clima de tensão, pois as casas noturnas de Los Angeles, como de resto as de Chicago e Nova York, eram controladas por gângsters, que aliavam um formidável tino artístico a um insaciável desejo de faturar cada vez mais alto.

Naquele momento, Benny Goodman, mais do que uma bela orquestra a ser admirada, representava lucro – e quando se falava em lucro tudo era válido na guerra das gangues.

Goodman, no entanto, foi irredutível, pois achava pouco ético e muito perigoso mudar as regras do jogo depois de fazer uma viagem cortando o país de leste a oeste com todas as despesas pagas pelo Palomar, que ele considerava ser seu empregador de direito. Dez minutos de conversa com o experiente Ben Pollack foram mais do que suficientes para mostrar o acerto da sua escolha.

Estávamos em agosto de 1935, e os críticos de swing já colocavam a orquestra de Benny Goodman acima da queridinha do momento, a Casa Loma de Glen Gray, que desde 1933 também tinha o seu programa radiofônico da série Camel Caravan.

Na verdade, o aparecimento de Goodman coincidiu com o declínio da Casa Loma, que se notabilizara por manter desavenças internas – o pedido de dispensa do gerente Henry Biagini e a sua substituição por Mel Jenssen feita pelos próprios músicos, o alcoolismo do arranjador Gene Gifford, que foi substituído por Larry Clinton, e a posterior demissão de Mel Jenssen, que trouxe outras mudanças na direção, foram apenas alguns dos ingredientes negativos que mexeram com a consistência e a autenticidade da banda.

Desde a noite de estréia o Palomar ferveu de público e de entusiasmo. A orquestra de Benny Goodman projetava um som marcante de swing enquanto os presentes deliravam, muitos deles dançando aquilo que se convencionara chamar de jitterbug ou lindy hop, mais conhecido por aquelas bandas como west coast swing.

Os jornais da Califórnia estampavam manchetes sobre o novo fenômeno musical que tomava conta da Costa Oeste, decretando oficialmente o início da Era do Swing e outorgando ao maestro o título de “O Rei do Swing”.

Assim, Benny Goodman era alçado à nobreza do jazz, e os críticos ressaltavam ruidosamente que ele fazia parte de uma corte que já contava com um rei (King Oliver), um duque (Duke Ellington), e dois condes (Count Basie e Earl “Fatha” Hines), além de um presidente (Lester Young, o Pres).

De acordo com Dan Morgenstern e outros analistas de jazz, Goodman conseguia executar o swing com mais negritude do que as outras orquestras brancas que faziam sucesso na época, e surpreendentemente, melhor até do que muitas orquestras negras, talvez pela sua associação com os arranjos obtidos de Fletcher Henderson, que era um gênio da orquestração.

 

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