sexta-feira, 9 de outubro de 2020

 



AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 15 - O EFEITO WALL STREET
(continuação)


Os “anos dourados” foram extremamente felizes e altamente descontraídos, mas trouxeram junto com a prosperidade e a euforia uma inesperada dissolução de costumes, evidentemente indesejada pelos moralistas tradicionais que ditavam as regras de conduta da sociedade.

Por outro lado, apesar de uma explosão industrial sem precedentes, a repressão trouxe uma série de situações negativas, como o crescimento do crime organizado, o contrabando e a fabricação clandestina de bebidas, uma especulação financeira sem regras nem controle e o recrudescimento da intolerância racial por parte dos integrantes da Ku Klux Klan, uma seita de encapuzados que vestiam um manto branco para aterrorizar as comunidades negras, em especial no centro-oeste e no sul do país, com a discriminação se transformando em ódio, e o ódio em perseguição e morte.

Assim, os acontecimentos do final dos anos 1920 dividiram o país em dois humores distintos: de um lado uma descontração alegre e irresponsável, como se fosse o final de uma grande festa, e do outro lado, a intolerância e as regras de exceção agindo como um torniquete sobre as pessoas, como se fosse a ressaca do dia seguinte.

Os ricos e os novos ricos, que enriqueciam principalmente especulando na Bolsa e adquirindo terras e imóveis, inventavam maneiras criativas de gastar o seu dinheiro, incluindo nessa roda-viva as roupas finas, as viagens, o jogo, as orgias, os supérfluos, a bebida proibida e – obviamente – as drogas.

A indústria automobilística apresentava lucros extraordinários com a fabricação acelerada e a venda de carros de luxo – Hudson, Packard, Studebaker – que eram geralmente pilotados de uma forma perigosa e pouco responsável por artistas, empresários e alguns frequentadores do “jet set”. Vivia-se conforme um dito da época – “bebida proibida e velocidade liberada”.

As pessoas discutiam abertamente as teorias de Sigmund Freud, antes limitadas a consultórios e encontros acadêmicos, e começavam a tratar o sexo de uma maneira escancarada, antes reservada aos segredos de alcova ou a cochichos de mesa de bar. As intrigas amorosas, também antes restritas a quatro paredes, passaram a ser assunto de conversa nas festas elegantes frequentadas pela alta sociedade e pelos glamorosos astros e estrelas de Hollywood, sem o menor pudor. A classe alta americana começou a consumir o gim e o uísque de maneira ostensiva e exagerada – apesar de proibido – e também fazia parte do perigoso cardápio a marijuana, o ópio e a heroína, uma constante na vida dos apreciadores dos prazeres mundanos.

Assim eram os “incríveis anos vinte” nas ricas cidades do norte-nordeste do país, cujo crescimento vertiginoso se dera, em parte, pelos dividendos que adoçaram a economia local recebidos como espólio de guerra em consequência da rendição da Alemanha na Primeira Guerra Mundial.

As mulheres começaram a se emancipar politicamente de uma forma firme e reivindicatória, lutando pelos seus direitos de cidadania e praticando uma filosofia epicurista, onde a busca do prazer a qualquer custo era alimentada por um desejo de igualdade entre os sexos. Assim, elas também bebiam e fumavam em público, usavam roupas ousadas e mantinham suas aventuras amorosas abertamente. Com o swing, elas aprenderam a dançar de forma livre e provocativa, exibindo toda a sensualidade que o momento permitia.

Algumas das músicas mais tocadas na época, como “Hot Lips”, “I Need Lovin’ ”, “Up In Mabel’s Room” e “Her Purchase Price”, continham alusões obscenas veladas.

Este tresloucado “American way of life” foi retratado com perfeição por Francis Scott Fitzgerald, um escritor que, mais do que simplesmente um novelista, foi um genial crítico de costumes. Seus livros “The Beautiful And Damned”, de 1922, e “The Great Gatsby”, de 1925, são na verdade uma fina reportagem sobre o comportamento da sociedade de classe alta nas grandes cidades americanas.

O próprio Scott e sua mulher Zelda Sayre fizeram parte deste movimento que incluía a música vibrante – como o swing, o charleston e o fox-trot – a moda refinada, os carros possantes e os embalos das festas granfinas. Lá, o figurino requintado se misturava com droga e álcool, constituindo o ambiente de onde Scott extraía as ideias que o transformaram em um dos primeiros best-sellers do país.

Pode-se imaginar o que acontecia por detrás dos panos quando sabemos que o próprio Scott, tido como um grande devasso, ao escrever uma carta para a sua filha em 1938, dois anos antes da sua morte, declarava que era moralista demais para ter se permitido acompanhar as andanças licenciosas de Cole Porter, Richard Rodgers e Lorenz Hart – simplesmente três dos maiores compositores e letristas americanos de todos os tempos!

É claro que o establishment vitoriano teria que reagir diante de tal quadro por demais modernista e aterrador para os seus padrões de comportamento. Assim, as inevitáveis providências foram tomadas através de pacotes de leis que visavam controlar a vida do cidadão, americano ou não, que vivesse nos Estados Unidos.

Os presidentes Warren Harding, eleito em 1921, seu sucessor “post-mortem” Calvin Coolidge, que tomou posse em 1924, e Herbert Hoover, eleito em 1928, apesar de governarem um país economicamente em alta, baixaram decretos que, entre outras coisas, interferiam nas ações internas dos bancos, restringiam a chegada e a ação dos imigrantes com claríssimas conotações antissemitas e – especialmente Hoover – combateram a política do laissez-faire e se utilizaram de um policiamento de força. O magnata da indústria automobilística Henry Ford manifestou sua simpatia pelas restrições ditadas pelo governo ao declarar “I know who makes wars. The international Jewish bankers arrange them so they can make money out of them” (“Eu sei quem faz as guerras. Os banqueiros judeus internacionais as estimulam a fim de ganhar dinheiro com elas”).

Financeiramente, o país parecia andar às mil maravilhas, embora alguns analistas tivessem um estranho pressentimento de que alguma coisa não estava caminhando dentro da conformidade. Era como um trem em alta velocidade prestes a saltar dos trilhos.

E o trem efetivamente saltou dos trilhos numa quinta-feira, 24 de outubro de 1929.

Milhares de ricos empobreceram do dia para a noite, quando mais de cinco bilhões de dólares se transformaram em papel sem valor devido à quebra da Bolsa de Valores de Nova York. Ao final do ano, a quantia se elevaria para dezesseis bilhões, e o pânico tomaria conta definitivamente da economia americana.

Era o final dos felizes anos vinte.

 

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