quinta-feira, 19 de novembro de 2020



AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 18 - AS RAZÕES DO DECLÍNIO
(continuação)

No início dos anos 1950, a população dos Estados Unidos havia crescido bastante, e já era o dobro daquela do início do século.

Este crescimento, que incluía nativos do próprio país e também imigrantes, trouxe uma evidente mudança nos costumes, em termos de moda e tendências, no modo de vida e também no comportamento e nas preferências.

No alvorecer do século vinte a família era patriarcal, isto é, os mais velhos e os adultos ditavam as regras e os mais jovens as cumpriam. Ao chegar à metade do século, porém, com o advento da geração pós-guerra, a célula familiar foi se modificando. Os mais velhos não conseguiam mais impor as suas ideias, e os jovens, rebeldes em função dos acontecimentos internacionais e do amadurecimento adquirido pela vivência, faziam questão de buscar uma identidade própria para justificar as suas atitudes, principalmente nas grandes cidades.

Esta mudança de comportamento também se fez notada no tocante à música, especificamente no jazz. Grande parte do público jovem que gostava de jazz desdenhava o swing e os estilos anteriores ao swing que haviam sido cultivado pelos seus pais – como o dixieland ou o chicago – por considerá-los ultrapassados, e voltaram seu foco de atenção para o bebop.

O bebop não estimulava a dança e tinha um forte apelo intelectual, o que servia de incentivo aos universitários e demais jovens de classe média para estender para o campo da música as teorias filosóficas em voga, como o existencialismo de Martin Heidegger e Jean-Paul Sartre. Ao invés dos amplos e barulhentos salões com muita gente se divertindo eles preferiam os ambientes mais introspectivos como os dos bares da Rua 52, em Nova York, regados a uísque e cerveja, onde três ou quatro músicos tocavam envolvidos numa espécie de névoa provocada pela fumaça dos cigarros. Lá, os jovens adultos podiam curtir a sua filosofia entre uma música e um gole.

O Minton’s Playhouse foi o lugar onde esta experiência começou realmente a ganhar corpo, mas logo o movimento bop começou e se espalhar pelos outros bares da Rua 52, como o Birdland, o Onyx, o Three Deuces, o Spotlight, o 21 Club, o Monroe’s e o Hickory House.

Os músicos negros, alguns dos quais ainda insistindo que o swing nada mais era do que a comercialização do jazz inventada pelos brancos, reencontraram nesses clubs o antigo charme jazzístico na técnica do bebop, e se dedicaram com afinco à nova tendência. Para eles, o jazz estava encerrando um ciclo onde servira como espetáculo e divertimento para ingressar na era da performance individual e dos concertos sérios. O próprio comportamento sisudo dos músicos do bebop contrastava com a expressão risonha e brincalhona dos músicos do swing. Músicos da velha guarda, como Coleman Hawkins, Roy Eldridge e Earl “Fatha” Hines também se renderam aos encantos da novidade e se engajaram no bebop de corpo e alma.

O bebop resgatou a atuação dos músicos negros, e seus praticantes criavam graus de dificuldade para os executantes que queriam se iniciar no estilo com a intenção de limitar a entrada daqueles que não estivessem à sua altura ou afinados com a sua filosofia. Entre esses praticantes de escol estavam Charlie Parker, Dizzy Gillespie, Thelonious Monk, Kenny Clarke, John Lewis e Bud Powell. Já o west-coast, também chamado por alguns de “cool-jazz da costa oeste” tinha em suas fileiras uma grande quantidade de músicos brancos, como Shelly Manne, Herb Ellis, Chet Baker, Barney Kessell, Pete Candoli e Gerry Mulligan, entre outros.

Nos meados dos anos 1950, muitos dos grandes precursores do swing e do pre-swing, como King Oliver, Chick Webb, Fats Waller, Jimmy Lunceford e Fletcher Henderson, já haviam morrido. Outros, caso de W.C.Handy, Clarence Williams, Wingy Manone e Lucky Millinder, ainda estavam vivos, mas já haviam parado de atuar profissionalmente.

Assim, a reposição das músicas nas paradas de sucesso era mais voltada para os foxes e as baladas que muitas vezes serviam de fundo para as vozes generosas de Frank Sinatra, Perry Como, Bing Crosby, Sammy Davis Jr., Tony Bennett, Doris Day e Rosemary Clooney. E muitas destas músicas eram escritas por compositores e letristas que realmente não faziam parte do time do jazz, como Cole Porter, Irving Berlin, George Gershwin, Oscar Hammerstein II, Harold Arlen, Dorothy Fields, Jimmy McHugh, Johnny Mercer, Jerome Kern, Victor Young, Richard Rodgers, Lorenz Hart, Ned Washington, Jimmy Van Heusen e tantos outros.

A própria música de jazz foi reescrita. Alguns standards do swing foram modificados e suas variações deram origem a novas músicas do estilo bebop. A essência melódica e harmônica de “What Is This Thing Called Love” (Cole Porter), por exemplo, está presente em “Hot House” (Tadd Dameron).

Charlie Parker foi o grande improvisador que transformou sucessos de swing famosos em bebop, baseando-se mais na linha harmônica do que na melodia. Existem vários exemplos de músicas de outros compositores que foram modificadas por Parker, que lhes deu uma vestimenta tão nova e original que fica difícil para quem não está a par da história reconhecer qual foi a melodia inspiradora: “How High The Moon” (Morgan Lewis) serviu como base para “Ornithology”; “Indiana” (James F.Hanley) inspirou “Donna Lee”; “Honeysuckle Rose” (Fats Waller) gerou “Scrapple From The Apple”; “Cherokee” (Ray Noble) foi o mote para “Ko-Ko”; e “I Got Rhythm” (George Gershwin) deu origem a “Confirmation”.

É bom que se diga que Charlie Parker nunca negou a sua intenção de bebopizar melodias antigas que ele considerava harmonicamente perfeitas para o novo estilo, nem escondeu o fato de parafrasear essas músicas como base para algumas das suas composições.

A ditadura da juventude causou também um novo direcionamento na música popular americana, com a descoberta e o culto dos novos astros do rock-a-billy – uma espécie de rhythm & blues com uma pegada entre o western-country e o boogie-woogie tocado sem muito formalismo tendo como base a guitarra, o violão, o contrabaixo acústico, o piano e a bateria.

Com exceção do sax-tenor, do qual o músico extraía um som rouco e agressivo denominado “honk”, pois lembrava o som da buzina de um carro, os instrumentos de sopro não acharam espaço no rock-a-billy, que depois viria a ser rebatizado e internacionalizado com o nome de rock and roll, domesticado na forma de rock-ballad e mais tarde se transformado simplesmente no rock e suas inúmeras vertentes.

 

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