sexta-feira, 24 de setembro de 2021

 


     PÁGINAS ESCOLHIDAS

COISAS (1988)
(Augusto Pellegrini)

TRILOGIA – FLORES E VELAS

Não foi possível fazer nada, o barco soçobrou na placidez do lago.

Não foi possível fazer nada, você me olha como se entendesse, mas será que me entende?

Não foi possível fazer nada, e eu aqui no meio dessa gente estranha que me questiona silenciosamente com olhares duros desde que eu me aproximei da sereia fria e imóvel e daquelas mãos que agora repousam em forma de prece, prece que ela nunca rezou.

Não foi possível fazer nada, e estas velas seguem queimando o meu espírito, deixando uma fumaça mal-cheirosa em contraponto com o perfume das flores.

Não foi possível fazer nada, e agora mãos mais insensíveis do que as mãos que repousam cruzadas pegam o caixão pelas alças e começam a carregá-lo numa procissão sem cânticos.

Não foi possível fazer nada, e agora o ataúde dança sinistramente a cada passo dado pelos carregadores, impassíveis como o ambiente.

Não foi possível fazer nada, e o local vai se tornando deserto com a saída do séquito, todos a desfilar um estranho desfile.

Antes o lago, a sereia, o sol de fim de tarde.
Agora grades, ciprestes e túmulos.

(O fim do romance com a sereia misteriosa)


 

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