sexta-feira, 1 de abril de 2022

 


COMO NASCEM AS CANÇÕES
(Augusto Pellegrini)
 

(Parte 5) 

A bossa nova, oficialmente lançada em 1958, congregou diversos compositores e intérpretes da Zona Sul carioca e criou bordões que exaltavam a beleza e o romantismo personificados como o sol, o mar e o azul do céu de Copacabana.

A bossa nova nasceu da necessidade de afastar o mau humor causado pelo samba-canção com suas letras sofridas que falavam de desamor, desilusão, traição e desencanto – que os críticos e artistas chamavam de “fossa”.

Músicas como “Vingança”, de autoria de Lupicínio Rodrigues, gravação de Linda Batista de 1951 (“Eu gostei tanto, tanto quando me contaram / Que te encontraram chorando e bebendo / Na mesa de um bar / E que quando os amigos do peito por mim perguntaram / Um soluço cortou sua voz, não lhe deixou falar... / ... Mas enquanto houver força em meu peito eu não quero mais nada / Só vingança, vingança, vingança aos santos clamar / Você há de rolar como as pedras que rolam na estrada / Sem ter nunca um cantinho de seu pra poder descansar”), ou “Ninguém Me Ama”, de Antônio Maria, gravado por Nora Ney em 1952 (“Ninguém me ama, ninguém me quer / Ninguém me chama de meu amor / A vida passa, e eu sem ninguém / E quem me abraça não me quer bem / Vim pela noite tão longa de fracasso em fracasso / E hoje, descrente de tudo, me resta o cansaço / Cansaço da vida, cansaço de mim / Velhice chegando e eu chegando ao fim”), ou ainda “Bar Da Noite”, de Haroldo Barbosa e Bidu Reis, gravado pela mesma Nora Ney em 1957 (”Garçom, apague essa luz que eu quero ficar sozinha / Garçom, me deixe comigo, que a mágoa que eu tenho é minha / Quantos estão pelas mesas bebendo tristezas / Querendo ocultar / O que se afoga no copo renasce na alma / Desponta no olhar / Garçom, se o telefone bater, e se for pra mim / Garçom, repita pra ele que eu sou mais feliz assim / Você sabe bem que é mentira, mentira noturna de bar / Bar, tristonho sindicato dos sócios da mesma dor / Bar, que é um refúgio barato / Dos fracassados do amor”).

Os que procuravam por uma saída menos trágica tiveram um alento quando surgiram as figuras mais amenas de Dick Farney, Lucio Alves, Johnny Alf e Sylvia Telles, mas eles procuravam mais do uma letra que se parecesse com a ensolarada realidade da Zona Sul. Eles também queriam uma harmonia que aproximasse a música brasileira da sonoridade de Barney Kessel, Jim Hall, Dave Brubeck, Chet Baker ou Bill Evans.

A questão começou a ser solucionada com um ex-pianista de boate chamado Antônio Carlos Jobim, conhecido como Tom, que a partir do início da década de 1950 já vinha prestando bons serviços à música brasileira compondo, fazendo arranjos e dirigindo gravações, e através de Johnny Alf, um cantor-pianista que propôs ao público uma harmonia diferente, utilizando-se de uma forma arrojada de interpretação.

E a cidade contribuiu com as suas belas praias, com a paisagem paradisíaca e com o Beco das Garrafas, como eram chamadas as boates Bottles’ Bar e Little Club, enfiadas na Rua Duvivier, no coração de Copacabana, palco das futuras apresentações de samba-jazz – Sergio Mendes, Os Cariocas, Durval Ferreira, Leny Andrade, Luiz Carlos Vinhas, e tantos outros.

Mas o Dia D da revolução tão esperada aconteceu com o aparecimento de um cantor-violonista chamado João Gilberto, que deu novos rumos à música brasileira em termos de tempo e contratempo, com acordes inusitados e jamais antes pensados (só o aparecimento de João Gilberto na música brasileira merece pelo menos um capítulo inteiro, ou quem sabe um livro completo!).

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