domingo, 3 de abril de 2022

 


                                                             ENTRE O JAZZ E O CHORO

                                                                (Augusto Pellegrini) 

Parte 2 

(Trecho do meu livro “AS CORES DO SWING”, estabelecendo uma relação entre o choro e o jazz. O livro está pronto, e está sendo lançado no site Facetubes)

 

A participação do negro na música popular brasileira foi antiga e decisiva.

A exemplo dos hollers da América, no Brasil se exercitavam os pregões (outra herança de Portugal), e em contraposição aos spirituals e gospels o Brasil respondeu com rituais de cunho religioso, de onde surgiram congadas, maracatus e afoxés – que surpreendentemente deram origem a uma cultura pagã ao desembocarem nas escolas de samba a partir de 1928.

Muitas pessoas do povo, boa parte deles negros, se encontravam nas esquinas e nos quintais para fazer música popular já durante os séculos dezoito e dezenove, antes mesmo que os seus pares americanos se juntassem para organizar as suas spasm bands. Estes músicos deram início à organização dos sons e dos ritmos populares, e sem dúvida anteciparam o que viria a ser, no futuro, a música popular brasileira.

Estas bandas incipientes eram compostas por músicos amadores que utilizavam uma grande variedade de instrumentos não oficiais, muitos deles totalmente fora de propósito – bambus, folhas de metal retorcidas, troncos de árvores ocos, ossos, chifres, artefatos de cerâmica, pentes, apitos e flautas rudimentares – que pouco a pouco foram sendo substituídos por instrumentos de verdade, para chegarem às portas do século vinte relativamente organizadas em forma de bandas.

Apesar da participação do negro tanto lá como cá, a distância que separava a música americana da música brasileira no início do século vinte não era só física, mas também estrutural.

A música americana tomou o caminho do jazz através de uma série de circunstâncias e de fatores sociais, históricos e religiosos, como as work songs (canto que cadenciava o trabalho dos escravos), o lamento profano do blues, a louvação religiosa dos spirituals, as marchas militares, o fim da guerra civil e da escravidão e – finalmente – o ragtime e toda a influência cosmopolita de Nova Orleans. Ela também foi influenciada sobremaneira pela a expressão vocal africana e sua escala musical intuitiva.

Como no Brasil não houve esta mesma diversidade de fatores, a influência maciça acabou sendo aquela nascida dos hábitos cultivados em Lisboa e no Rio de Janeiro e da música introduzida pelos portugueses, como a modinha e a polca. É claro que também houve a influência da expressão musical africana, mas ela se fez principalmente na forma de ritmo e pulsação.

Foi dos portugueses que recebemos todo um embasamento harmônico e tonal, além dos instrumentos europeus populares mais característicos, como o piano, o bandolim (que se derivou para o cavaquinho), o violão, e em menor escala o contrabaixo, o clarinete e o violino.

Dos portugueses também adquirimos a noção de síncope, harmonia e composição. Estes elementos, com a adição do pandeiro originário da Espanha e do batuque peculiar criado pela junção do índio e do negro, deram à nossa música popular a identidade que faltava, fazendo surgir a “música dos barbeiros” ou “dos alfaiates” – pontos onde os músicos se reuniam para tocar – o que seria responsável pelo aparecimento do choro.

 

 

 

 

 

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