sábado, 3 de setembro de 2022

 


PÁGINAS ESCOLHIDAS

Do livro O BRUXO DE CONCEPCIÓN (2011)
(Augusto Pellegrini)

 ÁLBUM DE FORMATURA

No princípio, Icaro não havia percebido que existia alguma coisa de errado com aquela fotografia. No entanto, ele teve a estranha intuição de que existia um inexplicável vazio, uma suspeitosa ausência, a falta de um certo algo.
Poderia ser ilusão de ótica – com o passar da idade, a vista já lhe começava a pregar peças – mas o desconforto que ele sentia certamente significava alguma coisa.
Pacientemente, perscrutou todos os detalhes e, embora sem qualquer motivo aparente, resolveu contar todos os formandos: um, dois, três… quinze, dezesseis… vinte e nove, trinta, trinta e um.
Trinta e um formandos, isto está errado, deveriam ser trinta e dois, pensou. Contou e recontou: trinta e um.
Como já era tarde da noite, ele resolveu que ligaria na manhã seguinte para o amigo Gastão, que era da mesma turma e com quem ele ainda mantinha contato. Ligou, e confirmou que os formandos de trinta anos atrás eram realmente trinta e dois. Gastão aproveitou a ligação para comunicar a morte do João Martinho, colega da turma.
João Martinho… havia na foto exatamente um inexplicável vazio entre Lindolfo e Boanerges, onde Martinho deveria estar…
Ícaro estremeceu: ele percebeu que, por algum motivo demoníaco, o álbum de formatura era um premonitor da morte, e que todos seriam apagados à medida em que fossem indo para o outro mundo.
Se Ícaro tivesse contado novamente, veria apenas agora apenas trinta formandos, e não veria a sua própria imagem na foto, agora ocupada por um espaço vazio entre Gastão e Túlio, ambos muito sorridentes, com o canudo nas mãos.
 

(A morte manda recado e começa a esvaziar a história) 

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