sábado, 28 de abril de 2018







COMO NASCEM AS CANÇÕES

(Parte 9 - final)

(Artigo escrito para a página da Academia Poética Brasileira – https//www.facebook/com/academiapoetica/.)


Chegamos à parte final desta sequência, que procurou aguçar o interesse do leitor com curiosidades musicais, começando por Dalva de Oliveira & Herivelto Martins, passando por Noel Rosa & Wilson Batista, retratando o surgimento da bossa nova e o romantismo das suas letras, mencionando a escalada das músicas de protesto, mostrando algumas homenagens póstumas e esclarecendo o significado de algumas letras por mim escritas.

No caso da “Ópera do amor em tempo de revolta”, a narrativa está chegando ao fim.

-0-

 Apesar da situação de inquietude, o clima de romance entre João e Maria continua inalterado, e Maria justifica sua paixão por João para a amiga Elisa (cantado):

Ele tem tudo diferente
Ele tem tudo de melhor
Suas ideias, seus gostos
Sua maneira de ser
Sua opinião sobre os do meu meio
É a minha opinião também

Não me importa
Do mundo as contradições
Se me negam
Minhas próprias decisões
Tanto, pra que?
Muito, pra que?
Tudo, pra que?

Ele tem ideias que me assustam
Ele quer fazer revolução
Conta comigo a seu lado
E eu, de mulher e soldado
Sendo minha pátria seus braços
Hei-de viver e lutar


Aí então cresceram os problemas entre os empregados e a empresa, o que precipitou a separação entre João e Maria, ainda que temporária (cantado):

“Separação”

Quanto custa haver separação
Pode ter lágrima, pode ter tristeza
O desencanto, a desilusão
Quanto vale desesperança e dor
Se há a esperança da volta vir um dia
O novo encontro, a nova canção

Quanto custa, mas tem que ser assim
Neste momento, ficar não é possível
É preferível sorrir na despedida

Então, quem sabe, com a mudança que vier
Voltarão as escolas de samba
Coloridas de flor e mulher
Voltará o sorriso criança
Será o meu mundo transformado em céu

No final tudo acaba dando certo, a ópera chega ao fim com uma plenitude de diálogos e muita música de fundo. João e Maria ficam finalmente juntos, a história termina dentro de um clima de congraçamento e o significado das letras das músicas, que afinal foi a razão desta publicação, fica então explicado.

-0-

A intenção desta extensa crônica foi reforçar a ideia de que por trás de uma letra de música sempre existe uma história ou um fator motivador.
Para que fique bem claro, vou repetir o que foi escrito logo na primeira parte deste texto que foi dividido então em nove partes.

“Os compositores compõem as letras das suas músicas tendo como exercício de inspiração as mais diversas e improváveis situações. Todo tipo de emoção humana pode fazer parte do processo para que o compositor consiga expor a sua arte: questões de amor, lembranças e saudades, modismos e ideias que expressam curiosidade, malícia, crítica, ironia, ufanismo, despeito, humor, protesto social, engajamento político, filosofia popular, homenagens – a pessoas e lugares – e até oração e religiosidade”. 

O desconhecimento sobre qual teria sido o mote que serviu como inspiração para o compositor escrever os seus versos leva por vezes o ouvinte a fazer uma análise incorreta sobre o significado da letra.
A música “O Mundo É Um Moinho”, por exemplo, foi composta por Cartola (Angenor de Oliveira) para a sua filha adotiva Creusa e não para ser um simples poema de amor. Ele aconselhava a menina a se prevenir contra as insídias da vida, e refletia a sua preocupação pelas suas opções de vida, como as más companhias e a prostituição – (“Ouça-me bem, amor / preste atenção, o mundo é um moinho / vai triturar teus sonhos, tão mesquinho / vai reduzir as ilusões a pó / preste atenção, querida / de cada amor tu herdarás só o cinismo / quando notares estás à beira de um abismo / abismo que cavaste com teus pés)”. Para Cartola, mesquinho era o mundo, não os sonhos.
A letra de “Gita”, escrita por Paulo Coelho para uma música de Raul Seixas e lançada como compacto simples em 1974, (“...eu sou a mosca da sopa / e o dente do tubarão / eu sou os olhos do cego / e a cegueira da visão / é, mas eu sou o amargo da língua / a mãe, o pai e o avô / o filho que ainda não veio / o início, o fim e o meio”) não é fruto de uma mente regada a drogas, como muita gente supõe. Ela foi inspirada no Gitã – parte do Mahabarata (uma espécie de Bíblia da religião hindu de Krishna), que diz entre outras coisas – “Entre as estrelas, eu sou a lua... / entre os animais selvagens eu sou o leão... / entre os peixes eu sou o tubarão... / de todas as criações eu sou o início e também o fim e também o meio... / das letras eu sou a letra A... / eu sou a morte que tudo devora e o gerador de todas as coisas ainda por existir...
O mesmo equívoco foi observado na música de John Lennon “Lucy In The Sky With Diamonds” gravada em 1967 para o álbum “Sgt Pepper´s Lonely Hearts Club Band”, à qual se atribuía uma apologia ao uso de LSD (que na música estaria codificado como Lucy-Sky-Diamonds) – (“Picture yourself in a boat on a river / with tangerine trees and marmalade skies / somebody calls you, you answer quite slowly / a girl with kaleidoscope eyes / cellophane flowers of yellow and green / towering over your head / look at the girl with the sun in her eyes and she’s gone / Lucy in the sky with diamonds / Lucy in the sky with diamonds…”)
Muitos fãs ficaram decepcionados quando John declarou que a letra não tinha nada de lisérgico e tinha sido inspirada em um desenho que seu filho Julian levou um dia para casa e mostrou ao pai. Mesmo assim, a BBC proibiu que a canção fosse tocada nas suas emissoras.
No caso de uma peça musical, as letras são geralmente escritas especificamente para atender o tema, mas podem também ter sido escritas anteriormente e ser utilizadas por se encaixar perfeitamente dentro do roteiro, o que é mais raro, mas acontece.
 



Nenhum comentário: