segunda-feira, 27 de julho de 2020






AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 6 - A EXPANSÃO MUNDIAL DO SWING
(continuação)

Centenas de músicos norte-americanos se sentiram contagiados de uma forma positiva e saudável pela febre do jazz quando perceberam que aquela música despojada e criativa oferecia uma bela alternativa para fugir da horizontalidade que se configurava como o padrão musical do Ocidente naquela segunda metade do século dezenove.
Naquela época, a música executada nas grandes cidades da América do Norte se limitava a algumas incursões isoladas de uns poucos músicos espalhados aqui e ali ou a uma produção orquestral solene, mostrando os estilos praticados na Europa, que variavam entre a valsa, a polca, a canção romântica e as esvoaçantes músicas para dançar.
Os relativamente poucos instrumentistas avulsos letrados pertenciam à classe burguesa e haviam aprendido o violino, o piano ou a flauta segundo a orientação dos seus professores, todos com raízes profundamente fincadas nos moldes da educação musical formal européia, o que não contribuía em nada para a emancipação de um tipo de música que pudesse traduzir a verdadeira expressão da alma popular americana.
Pouca coisa nova era acrescentada à musica nacional do país – se é que aquela música sem identidade podia ser chamada de música nacional – com exceção do som impregnado pela cultura dos negros que era ouvido no sul do Texas, no Delta do Rio Mississipi e em algumas regiões do sudeste americano, exibido por menestréis sem formação acadêmica, descendentes de escravos que cantavam seus lamentos acompanhados pelas notas dolentes e preguiçosas de um violão capenga, de um banjo sobrevivente da época da guerra civil ou de uma rabeca de fabricação caseira.
A música “nacional”, de fato, não existia, talvez pela extensão territorial exagerada que ela teria que cobrir utilizando-se dos parcos recursos de comunicação e divulgação de antes do século vinte, ou talvez pela própria falta de interesse do povo americano em adotar uma música que pudesse representá-lo.
É claro que naquelas alturas ninguém estava articulando seriamente o lançamento de um estilo musical que fosse novo, diferente e interessante o suficiente para rotulá-lo como “música produzida nos Estados Unidos” a fim de consumi-lo internamente e de exportá-lo para outros países. No entanto, não apenas a América estava se ressentindo de um novo som que pudesse motivar os músicos e o público apreciador, como o próprio mundo estava aparentemente aguardando por uma novidade depois de séculos de estagnação.
Afinal, os diversos estilos que representavam os diferentes países e as diferentes comunidades existentes na Europa já estavam claramente definidos tendo por base a cultura de cada região, o que caracterizava contextos musicais peculiares e estabelecia as diferenças marcantes entre os tipos específicos de música – a italiana, a francesa, a russa, a portuguesa, a alemã, a espanhola e a eslava, entre outras.
Os Estados Unidos, no entanto, por ser um país relativamente jovem, extenso, e por ter sido colonizado por diferentes culturas, ainda não havia definido um estilo próprio.
A própria western country music, – a chamada música country americana – tida e havida por muitos como representativa de vaqueiros e habitantes rurais do centro-oeste americano, nada mais era do que uma dança irlandesa adaptada para as condições áridas da zona desértica de Nevada, das savanas do Colorado e do Arizona, e das pastagens do Novo México. Mesmo o ragtime, que é considerado uma das origens do jazz, mantinha ainda uma estreita e inconfundível ligação com a valsa, com a polca e com o minueto, marcas registradas da música do Velho Continente (e isto era evidenciado pelo seu estilo pianístico, que lembrava a música extraída pelos dedos hábeis e melodiosos de Lizst ou Chopin).
A expansão nacional do ragtime foi acelerada em virtude de alguns negros e creoles da Louisiana haverem se identificado amplamente com o estilo e começado a impor algumas alterações quase imperceptíveis que acabaram em pouco tempo modificando significativamente a sua estrutura na pulsação e no tempo, fazendo com que ele adquirisse a mesma malícia das outras músicas que estavam acontecendo em Nova Orleans. O estilo pianístico também ganhou uma boa dose da dolência do blues e começou a deixar de lado os arabescos mozartianos que faziam o ragtime soar como um tipo de minueto.
Já a country music, por conta do conservadorismo dos brancos que habitavam a região central, só viria realmente influenciar a música americana fora do seu território cultural cerca de cinqüenta anos depois, ao adicionar a sua essência ao rhythm & blues e colaborar com o surgimento do rock and roll.
Dizer que o jazz nasceu em Nova Orleans se tornou uma tradição, mesmo que isto não seja totalmente verdade, pois o espírito de uma música livre das amarras dos padrões europeus tomava corpo não apenas na Louisiana, mas também em Kansas, no Tennessee, no Texas, no Missouri e no Alabama. Pode-se, no entanto, afirmar com absoluta precisão que Nova Orleans representa o início do caminho percorrido pela música americana que se consolidou no século vinte.
Em outras palavras, o jazz pode até ter tido um envolvimento direto com diversas outras localidades, mas foi em Nova Orleans que ele agregou os principais músicos e ganhou fôlego para conquistar o país.
Foi lá que alguns aventureiros criativos perceberam ser possível transgredir certas regras musicais vigentes e tentar experiências ousadas no sentido de enriquecer a música então existente, buscando uma forma híbrida de composição e interpretação, uma fórmula entre o que existia e o que foi criado. Eles fizeram com que a melodiosidade da música clássica, a precisão da música lírica, a rusticidade da música dos cabarés, a habilidade e o improviso dos músicos amadores e a alma dos menestréis dos violões capengas se fundissem numa só mensagem.
Muitos desses músicos eram autodidatas puros, sem a menor formação teórica, e executavam uma proposta musical totalmente oposta a outros tantos profissionais gabaritados. Estes músicos amadores, no entanto, conseguiam ocupar muitos espaços diante do público, principalmente no que dizia respeito ao teatro musicado – como os minstrels, o vaudeville e o teatro de revista, que levavam música e interpretação cênica para os mais diferentes rincões – ou à chamada street music, a música de rua, onde grupos se formavam aleatoriamente por puro diletantismo e para distrair os passantes.

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