segunda-feira, 7 de setembro de 2020

 



AS CORES DO SWING
            (Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 10 - CERTO DIA DE JANEIRO
            (continuação)

O dia 16 de janeiro amanheceu gelado.

O sol aparecera tímido por detrás das nuvens escuras, mas apenas depois das dez horas, e havia uma previsão pouco otimista de alguma neve ao entardecer. O trânsito nervoso de Nova York já fazia entender, desde cedo, que aquele domingo seria especial, com muita gente se deslocando de um lado para o outro como formigas tresloucadas à procura de um rumo.

Os restaurantes abriram suas portas para receber um público comensal maior do que o habitual, e havia um comentário muito forte a respeito do swing que iria tomar conta da cidade tão logo começasse o anoitecer.

Desde o início da tarde o público fazia fila na frente do Carnegie Hall para comprar ingressos, e antes do anoitecer o teatro já estava totalmente lotado, misturando o inevitável público do swing com alguns dos sisudos frequentadores da casa que estavam pagando para ver a novidade. Havia um frenesi no ar, emoldurado pelos letreiros luminosos que faziam da Midtown Manhattan um espetáculo à parte.

Na rua, vendedores ambulantes de castanhas tocavam o seu negócio em meio ao vapor dos caldeirões para aquecer um pouco o estômago dos entusiasmados fãs, e centenas de retardatários encapotados, usando chapéus e luvas, tentavam em vão adquirir o seu ingresso para adentrarem o recinto.

Na esquina do outro lado, remanescentes natalinos representando o Exército da Salvação entoavam os seus hinos enquanto solicitavam aos passantes alguma contribuição para os menos afortunados.

Dentro do teatro, o público aguardava ansioso pelo início do espetáculo, devidamente sentado nas poltronas numeradas e nos camarotes. Alguns poucos que conseguiram burlar a exigência da lotação máxima se acomodavam nos corredores, cena incomum de se ver naquele lugar.

Todos tinham a consciência de que iriam assistir pela primeira vez a um show de jazz – na forma de swing – no templo máximo de Nova York, e sabiam também que, desta vez, não lhes seria permitido dançar, pois o regulamento do teatro e até mesmo a própria falta de espaço físico tornavam este desejo impossível.

Quando as luzes da platéia começaram a ser reduzidas e os três toques tradicionais da sineta anunciaram que o espetáculo estava para ser iniciado, fez-se um silêncio profundo.

As pesadas cortinas de veludo escarlate foram se abrindo lentamente, apresentando os músicos da orquestra devidamente alinhados nos seus lugares. A tensão aumentou e o público irrompeu num prolongado aplauso quando Goodman, muito elegante no seu traje de gala, entrou no palco. O maestro parou perto do centro, ficou de costas para os seus músicos, agradeceu o carinho de todos de um modo firme e sorridente, esperou pelo arrefecimento das palmas, fez um gesto com a mão esquerda, e deu início ao tema “Don’t Be That Way”.

Enquanto a música coloria o ambiente, Irving Kolodin, que não cabia em si de contente, se agitava na coxia.

À medida que a orquestra fazia soar a sua bela e consistente melodia dentro da magnífica acústica do teatro, Kolodin se congratulava consigo mesmo por ter sido um dos organizadores do espetáculo. Talvez a sua alegria não tivesse muita conexão com a música em si, mas sim com a repercussão histórica que ele adivinhava o espetáculo viria a ter, além do sentimento do dever cumprido e da farta bilheteria que ele e seus sócios – Geraldo Groode e Steve Hurok – iriam conferir.

Durante as duas horas e meia de espetáculo, o teatro ficou impregnado com a magia do clarinete de Benny Goodman e com a excelência dos seus músicos, tanto na apresentação do quarteto como no desempenho da orquestra. O show teve ainda a participação de outros músicos convidados, como o sax-tenorista Arthur Rollini, o pianista Jess Stacy e o cornetista Bobby Hacket, ou “tomados por empréstimo” de outras orquestras, como o sax-barítono Harry Carney, o sax-soprano e alto Johnny Hodges e o trompetista Cootie Williams (todos de Duke Ellington) e o contrabaixista Walter Page, o sax-tenorista Lester Young, o guitarrista Freddie Green e o trompetista Buck Clayton (da orquestra de Count Basie). O próprio Basie também marcou presença, ao piano.

O show seguiu num crescendo – e parecia que já não mais fazia frio em Nova York – mantendo o público entusiasmado e se agitando nas poltronas, dançando de uma maneira cômica e comportada sem sair do lugar.

As músicas iam se sucedendo – “I Got Rhythm”, “Swingtime In The Rockies”, “China Boy”, “Honeysuckle Rose” – ao mesmo tempo em que a orquestra crescia no seu desempenho e o público acompanhava com gritos e palmas, coisa rara de ser vista no teatro.

Do lado de fora, a multidão que se formara para tentar em vão obter o seu ingresso ainda permanecia aglomerada, ouvindo um resto de som que chegava abafado vindo do lado de dentro do teatro, que invadia a Sétima Avenida como uma alegre música celestial.

A principal obra do trompetista Louis Prima, “Sing, Sing, Sing” – que tradicionalmente fechava as audições de Goodman na época – ecoou pelo teatro, dando cores finais a um dos shows que marcaram época na história da música norte-americana.

 

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