terça-feira, 8 de setembro de 2020

 




AS CORES DO SWING
          (Livro de Augusto Pellegrini)

FINAL DO CAPÍTULO !0 - CERTO DIA DE JANEIRO

Naquela noite, o Savoy Balroom abriu as suas portas só depois que o Carnegie Hall apagou todas as suas luzes, e já assava das onze.

Os proprietários do salão esperavam receber um grande público, contando com os frequentadores de sempre e com boa parte daqueles que haviam estado presentes no concerto do Carnegie Hall e que ainda se encontravam em transe pela forte transfusão de swing nas veias.

Realmente, muitas pessoas que saíram entusiasmadas do teatro foram marcar presença no Savoy, ávidas por continuar a sua jornada jazzística. Afinal, depois da classe e imponência de Benny Goodman, nada como se deliciar com a irreverência e o drive de Chick Webb, que comandava o espetáculo aos domingos na famosa casa de danças.

Boa parte da orquestra de Count Basie estivera prestigiando o show de Goodman, alguns tocando com ele no palco, outros aplaudindo junto ao público ou na própria coxia. Ao terminar o espetáculo todos se dirigiram para o Savoy, para onde já haviam ido os outros elementos da orquestra.

A direção da casa havia marcado, exatamente para essa noite, um tira-teima entre as big bands de Chick Webb e de Count Basie, por conta de uma intriga que havia tomado conta do mundo musical de Nova York nas últimas semanas.

Uma desinformação nascida de alguns dançarinos do Whitey’s Lindy Hoppers havia colocado em cheque a paz entre os dois maestros. Chick Webb ficara irritadíssimo com os comentários de que o público, de forma geral, considerava sua orquestra muito inferior à orquestra de Basie. É claro que isso era uma grande bobagem, mas o fato mexera profundamente com os brios de Webb e com o seu complexo de inferioridade. Sendo o líder do grupo oficial da casa, ele exigiu a expulsão de alguns dançarinos de White, não permitindo que eles participassem das suas apresentações nem que permanecessem no salão, além de desacatar Basie, por achar que a provocação teria partido dele.

Count Basie não era um homem muito alto, embora fosse corpulento, e também não era nenhum atleta, e seu preparo físico certamente não recomendava exercícios vigorosos nem lhe habilitava a participar de contendas pugilísticas. Além do mais, Basie era um homem de paz, e jamais tivera o hábito de se envolver em confusão.

Acontece que Chick Webb era praticamente um anão, além de corcunda e doente. Uma disputa no braço entre os dois seria francamente favorável a Basie, mas poderia render conseqüências danosas para os dois, caso surgisse um canivete ou algo parecido para compensar a diferença da força física entre ambos.

Herbert White era uma pessoa ladina, e decidiu resolver a contenda de uma maneira civilizada. White chamou Webb e Basie para juntos fumarem o cachimbo da paz, assumiu a culpa pelo diz-que-diz, confessou não ter sabido controlar a boca de dois ou três idiotas, demitiu alguns deles como bodes expiatórios e propôs uma disputa amigável, em cima do palco que serviria para cimentar a amizade entre os dois maestros e entre alguns músicos que haviam tomado partido na questão.

A imprensa se referiria à noite de 16 de janeiro como “a batalha do swing”, e estamparia no dia seguinte, fotos de carros congestionando o trânsito na Lenox Avenue, no Harlem, por alguns quarteirões, dando continuidade à loucura que acontecera na tarde-noite nas proximidades do Carnegie Hall, junto com reportagens caprichadas sobre uma briga que não aconteceu.

Os aplausos se tornaram atordoantes quando Chick Webb e Count Basie apareceram no palco do Savoy se cumprimentando educadamente, e a casa quase veio abaixo quando Benny Goodman, livre dos afazeres do início da noite, irrompeu no salão ao lado de importantes figuras do mundo musical, como Duke Ellington, Red Norvo, Lionel Hampton, Eddie Duchin, Teddy Hill e Ivie Anderson.

As duas orquestras se postaram uma em cada lado do palco e a de Basie foi a primeira a tocar. Sua preocupação era fazer um som mais popular, indo do puro swing dançante ao swing cheio de blues, como era o seu estilo, incluindo algumas baladas.

O público cantou os blues em uníssono com o vozeirão de Jimmy Rushing e assistiu hipnotizado a interpretação dolente de Billy Holiday na música “My Man”.

Na sua vez, do outro lado, Chick Webb atacou com um swing vigoroso, dando ênfase aos solos de bateria, seu ponto forte. A parte vocal da sua orquestra ficava a cargo de Ella Fitzgerald, que incendiou o salão quando cantou “Loch Lomond”, uma tradicional ária escocesa que estava em voga na ocasião devido a uma interessantíssima gravação produzida no estilo swing pela cantora Maxine Sullivan.

A vibração era intensa, lenços eram agitados e o espetáculo chegou ao clímax quando Duke Ellington foi convidado por Basie a sentar-se ao seu piano e tocar algumas peças, acompanhado pela orquestra. Duke iniciou com “One O’Clock Jump” e encerrou com “Jumpin’ At The Woodside”, ambas de autoria do próprio Basie, integrando-se tão bem nos arranjos que as músicas pareciam ter sido compostas para ele.

Herbert White sorria matreiramente num canto do salão, enquanto sorvia uma taça de vinho branco.

Ele ocupava uma mesa discreta, ao lado de um jornalista do Herald Tribune, do trompetista Ziggy Elman, e de um produtor obscuro chamado Greg Murdoch, e todos se diziam maravilhados com o que viam e ouviam.

A alegria e o entusiasmo estavam transbordando como as taças de champanhe que tilintavam ali e acolá, e o salão parecia até mais iluminado do que de costume.

White estava muito satisfeito consigo mesmo. Sua estratégia dera duplamente certo, pois abafara uma verdadeira guerra de bastidores e incrementara tremendamente o show business de Nova York. Uma discórdia que poderia ter se transformado em tragédia acabara se transformando num espetáculo memorável cheio de figuras do primeiro escalão do jazz, graças à sua cabeça inteligente e a um pouco de malandragem.

Goodman e Carnegie Hall à parte, para ele o grande evento do dia 16 de janeiro fora a sua ideia de reunir Basie e Webb para tirar as suas diferenças no palco do Savoy.

A “batalha do swing” não teve vencido nem vencedor. Foi uma escaramuça onde quem ganhou foi a música, e por conseqüência o público.

No entanto, uma pesquisa realizada entre os presentes pelo gerente do Savoy revelava uma ligeira preferência por Chick Webb, talvez por ser o músico oficial da casa, apesar de a orquestra de Count Basie ser notoriamente melhor.

Ouvidos indiscretos se transformaram em bocas indiscretas e o resultado da pesquisa acabou aparecendo com estardalhaço no New York Daily News com a manchete “Webb ‘cuts’ Basie in swing battle” (“Webb bate Basie na batalha do swing”), o que só não gerou uma nova briga porque Basie era definitivamente um homem tranqüilo.

Com a saúde debilitada, mas ainda saboreando a sua vitória, Chick Webb morreria um ano depois. A sua orquestra passou então a contar com a liderança de Ella Fitzgerald, cantora que havia sido conduzida ao estrelato por ele, apesar de “gordinha, feia e sem graça”, conforme definira o gerente do Teatro Apollo. Por outro lado, Count Basie, orientado pelo empresário e mecenas John Hammond, começou a excursionar pelo país para se transformar em pouco tempo numa das maiores big bands de que até hoje se tem notícia.

 

 

 

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