domingo, 27 de setembro de 2020

 

         Foto: Duke Ellington e Billy Strayhorn trabalhando em composição e arranjo


AS CORES DO SWING
            (Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 13 - O SWING E O JAZZ
            (continuação)

Intérpretes e especialistas sempre mantiveram uma saudável discussão sobre este tema – swing ou jazz? - principalmente na época em que a transformação se processava.

O crítico Robert Goffin tinha um duro conceito a respeito da polêmica. Para ele, o swing nada mais era do que “a comercialização e a prostituição do verdadeiro jazz, escrito exclusivamente em partituras para castrar a criatividade dos músicos”.

Este conceito chegou a ser compartilhado por muitos críticos de música e por muitos músicos de jazz, principalmente os egressos do jazz tradicional. Alguns artistas negros, inclusive Louis Armstrong e King Oliver viam a princípio a nova música com certo desdém, por considerarem que a sua excessiva popularização era feita tão somente para fazer a classe média branca se divertir, sem nenhum compromisso com o jazz.

Outros músicos, porém, principalmente aqueles que prontamente se engajaram no novo projeto, como Ellington, Henderson e Lunceford, sustentavam que o swing havia lapidado no jazz um elemento de brilho que o jazz possuía apenas na sua forma bruta e que se traduzia no balanço (“swing”, em inglês) e na orquestração. Ellington fazia uma pequena ressalva em termos de abordagem (“jazz is music, swing is business”), mas não fazia distinção sobre a estética musical em si.

Esta corrente de pensamento afirma que o advento do swing proporcionou ao jazz tocado na época a possibilidade de aparar seus pontos rústicos, de aperfeiçoar e arredondar o seu beat e de ingressar numa era de modernidade, inclusive com o aparecimento de solistas que se sobressairiam como líderes dos seus naipes e que iriam futuramente facilitar o aparecimento de um outro estilo que viria acalmar e intelectualizar o jazz e colocar os ouvintes novamente sentados – o bebop.

O trompetista Roy Eldridge, que foi uma espécie de elo entre o jazz tradicional e o swing, não via diferença alguma entre os dois estilos. De acordo com ele, jazz e swing eram dois nomes diferentes para a mesma coisa, e o surgimento do swing nada mais era do que a consequência natural da evolução a que tudo está sujeito na vida, inclusive a música.

O maestro Fletcher Henderson concordava com Eldridge, mas fazia uma ressalva. Como arranjador, Henderson achava que o swing era uma música premeditada, estudada em detalhes e desenvolvida de uma forma que padronizava a execução, isto é, praticamente não havia diferença entre duas apresentações quando a mesma orquestra tocava a mesma música em diferentes ocasiões. O jazz, no entanto, era mais espontâneo e intuitivo, e cada apresentação resultava num som diferente que dependia do “feeling particular dos intérpretes naquele dia.

De qualquer modo, tanto num aspecto como no outro, o que contava sempre era a concepção rítmica, a sonoridade, o drive, a unidade do grupo e o sentimento do arranjador quando ele propunha ou escrevia as partes de cada solista.

O swing entendeu o momento especial por que passava a música americana: as pessoas queriam dançar, e dançar significava lotar os salões construídos com todo o requinte e conforto para esse fim. Mas a diversão não se limitava à dança, como denunciavam os puristas descontentes; as pessoas não dançavam o tempo todo e, ao pararem para descansar ou molhar a garganta, se deparavam com músicos que faziam o espetáculo, com a leitura fantástica dos solistas e com uma coreografia que fazia ressaltar a qualidade do grupo. Aí, a música e o espetáculo falavam mais alto do que a dança.

Fala-se também que o swing, por ser escrito em partitura, podia ser apresentado de uma maneira mais sofisticada e elaborada do que o jazz da época, que era mais rude e, portanto, menos sujeito a filigranas. Isto também não passa de uma grande bobagem.

Os solos de trombone de Tommy Dorsey, por exemplo, apesar de dotados de grande técnica e estilo não tinham nada de complicado na sua execução (“Song Of India”, “Where Did You Learn To Love?”, “Once In A While”) se comparados a certos solos de trompete de Louis Armstrong (“Stardust”, “I Got Plenty O’ Nuttin’”, “I Cover The Waterfront”) ou do piano de Jelly Roll Morton (“The Pearls”, “I Thought I Heard Buddy Bolden Say”). A música “Woodchopper’s Ball”, swing de Woody Herman e Joe Bishop, por mais explosivo que fosse, ficava quase linear em comparação com as inflexões do tradicionalíssimo “Jazz Me Blues” de Tom Delaney.

Aqui cabe mencionar o exemplo único de Duke Ellington. Apesar de ter formado a sua primeira banda (The Duke’s Serenaders) em 1917 – portanto em plena efervescência do estilo new orleans – e apesar de já se encontrar em Nova York em 1921 – portanto sujeito a toda influência que a música tocada na cidade sofria da que era executada em Chicago, onde pontificavam King Oliver, Kid Ory e Johnny Dodds – ele jamais se deixou influenciar pelo jazz tradicional, exceto no que diz respeito à forte presença do blues.

Quando, em 1923, estimulado pelo pianista Fats Waller, Ellington começou a compor e a tocar profissionalmente, ele adotou um estilo alternativo criado por ele próprio, sem usar ninguém como referência. Com os Washingtonians – sua primeira experiência como líder de uma orquestra de verdade – Ellington usou e abusou de sons exóticos extraídos das surdinas e de um beat original, um embrião do que seria o “jungle sound”, que se distanciava da música dançante típica.

Talvez devido a essa autenticidade, Ellington tivesse sido tão admirado pelos próprios músicos das décadas de 1920 e 1930, pois ele conseguira exercer uma liderança dentro da música norte-americana sem fazer concessões e sem copiar as orquestras existentes.

É possível, no entanto, que o reconhecimento do público tivesse demorado um pouco mais a se concretizar se, por ocasião da gravação de “Lazy Rhapsody” e de “Moon Over Dixie” em fevereiro de 1932, Ellington não tivesse decidido gravar uma terceira música, a já comentada “It Don’t Mean A Thing (If It Ain’t Got That Swing)”, apenas a título de registro.

Nascida de uma maneira discreta, “It Don’t Mean A Thing” caiu no gosto popular e acabou revolucionando a música de orquestra em dois aspectos distintos.

Primeiro, como já mencionado anteriormente, foi no título e na letra dessa música que o termo “swing” ficou definitivamente marcado. Segundo, numa consequência lógica, a música acabou sendo o primeiro swing composto por Ellington, talvez até sem ele disso se aperceber (outros viriam mais tarde, com a mesma qualidade e o mesmo swing, como “Satin Doll”, “Don’t Get Around Much Anymore”, “I’m Beginning To See The Light”, “I Let A Song Go Out Of My Heart”, etc).

           Ellington, que não tocava nem o jazz tradicional nem o swing dançante, conseguiu colocar na sua música o sentimento, a essência, a criação coletiva e o balanço tanto de um quanto de outro. Assim, ele foi a resposta muda (e musical) para aqueles que criavam uma barreira entre a “superficialidade” do swing e a inventividade do jazz, pois não tocava especificamente nem uma coisa nem outra, mas fazia os dois com absoluta perfeição!

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