terça-feira, 20 de outubro de 2020

 


AS CORES DO SWING
            (Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 16 - A PROIBIÇÃO
            (continuação)

Quando a Lei Seca foi aplicada, a Polícia Federal atuava basicamente em duas linhas distintas, embora conectadas: descobrir e destruir as fábricas e os depósitos de bebida clandestinos e lutar contra as gangues do crime organizado, que como regra geral administravam este negócio.

Com o passar do tempo, então sob a direção de John Edgar Hoover (que apesar do nome não tinha nenhum parentesco com o ex-presidente Herbert Hoover), o FBI mudou o seu foco e se tornou um instrumento de perseguição política e espionagem investigativa, trabalhando também com vigor na luta contra a violência racial (apesar de o próprio J.E.Hoover ser considerado racista, por causa dos seus ataques contra Martin Luther King e seus seguidores).

Durante e após a Segunda Guerra Mundial, o FBI concentraria seus esforços numa verdadeira caça às bruxas contra os simpatizantes do nazismo, do fascismo e principalmente do comunismo, que havia se fortalecido e ganhado fronteiras com a vitória aliada, por considerar que tais linhas de pensamento atentavam contra os princípios democráticos dos americanos.

Como acontece com toda vigilância exacerbada, esta caça às bruxas comunistas produziu uma série de injustiças, que se perpetuaram através dos anos até atingirem seu ponto máximo em 1950 com o senador Joseph McCarthy e a sua conhecida política do Macartismo.

 

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A Proibição alavancou a Era do Jazz, dando qualidade e força às orquestras da época e uma maior visibilidade aos chamados ritmos de salão.

De acordo com o pianista e compositor Hoagy Carmichael, “os anos 1920 fizeram crescer a música nos Estados Unidos e foram regados por muita bebida de má procedência, adornados por jovens senhoritas de pernas nuas, regidos por uma moralidade duvidosa e temperados por fins de semanas arrasadores”.

Para o escritor F. Scott Fitzgerald, “as festas eram as mais empolgantes possíveis, o ritmo de vida era mais rápido, e a moral (ou a falta dela) corria frouxa”.

Em 1925, os speakeasies já tomavam o lugar de muitos salões elegantes de Nova York e de Chicago. Mesmo assim, os chefões da Máfia se encarregavam de produzir ambientes exóticos e elegantes em lugares importantes como o Small Paradise, o The Trocadero e o Cotton Club, onde se exibiam grandes astros e estrelas do entretenimento musical, como o casal de irmãos bailarinos e cantores Fred e Adele Astaire, os bandleaders Duke Ellington e Cab Calloway, o sapateador Bill “Bojangles” Robinson e a cantora Ethel Waters.

Os grandes salões funcionavam abertamente e eram frequentados pelas pessoas de maior poder aquisitivo, não sofrendo muita fiscalização nem pressão da polícia. Os speakeasies, por seu lado, eram frequentados por homens e mulheres das mais diversas classes sociais, criando uma autêntica “alcoolcracia” com duas ideias em comum – divertir-se tomando a melhor bebida ilegal que pudessem encontrar e evitar uma visita à delegacia mais próxima transportados num carro especial que hoje nós chamaríamos de “camburão”.

Faziam parte do cenário, além dos figurões dos negócios, os boêmios de toda espécie, músicos e artistas em geral, e também uma nova geração de mulheres, chamadas de “flappers”. As “flappers” eram mulheres que “flanavam” como o pano das bandeiras, conforme o nome indica, isto é, procuravam a todo custo se libertar, mas continuavam presas às convenções.

O fato é que independentemente das flappers, as mulheres americanas haviam conseguido o direito de voto seis meses antes da aprovação da Emenda 18, e boa parte delas fazia questão de demonstrar a sua igualdade com os homens, fumando em lugares públicos, bebendo uísque, vinhos e coquetéis como gente grande, e participando ativamente da vida boêmia da cidade.

Os pais de família, os religiosos e os moralistas de toda ordem se escandalizavam ao vê-las se exibindo em saias mais curtas do que deviam e usando uma maquilagem agressiva. Alguns desses senhores (que não raro frequentavam os speakeasies às escondidas) se escandalizavam ainda mais ao vê-las dançando o tango ou o charleston com uma atrevida sensualidade exalando pelos poros.

Alguns órgãos da imprensa conservadora faziam uma campanha aberta contra o jazz, como se a música fosse responsável pela suposta quebra de decência e pela dita imoralidade que campeava nos anos 1920.

O Ladies Home Journal, uma publicação voltada à família e restrita ao público feminino, questionava em 1921 se o jazz “não estaria adicionando pecado nas suas sincopatizações”. Outros jornais de cunho político levantavam a hipótese de que o jazz “teria encarnado um elemento bolchevique de protesto contra a paz e a ordem”, acrescentando que ele “estava se transformando na maldição da sociedade”.

Assim, na visão desses maniqueístas, o jazz seria o responsável não apenas pelo comportamento inadequado de muitas mulheres que deixavam de usar os seus corpetes apertados para “balançar” mais à vontade, como também por uma subliminar invasão comunista na cultura ocidental.

Mas, mesmo tendo que encarar a discriminação contra o jazz e a repressão sobre o consumo das bebidas alcoólicas, os proprietários dos bares jamais entregaram os pontos. Para cada casa fechada e cada estoque de garrafas destruído, eles abriam uma casa nova e repunham toda a bebida, fortalecidos pela cobertura e pelo dinheiro da Máfia. Uma certa senhora chamada Mary Louise Cecilia Guinan, conhecida como “Texas” Guinan, ex-atriz de cinema mudo e ex-cantora de cabaré, encarava com humor o fato de os policiais do Bureau fecharem sistematicamente os speakeasies de sua propriedade.

Cada vez que a fiscalização lacrava e colocava um cadeado na porta de um dos seus estabelecimentos, ela adquiria um cadeado miniatura que usava dependurado no pescoço, como um camafeu. Tantos foram os fechamentos, que em alguns anos ela podia exibir com orgulho um colar feito de cadeados miúdos que servia de deboche ao poder constituído e de adorno à sua vasta e brilhante cabeleira platinum blonde.

Até parece que os procedimentos policiais desenvolvidos para coibir as ações fora da lei faziam parte da diversão dos empresários e da clientela dos bares naqueles ferozes anos 1920, pois acabava adicionando um pouco de frenesi e emoção às loucas noitadas animadas pelo jazz de então.

A nova década raiava cheia de expectativas, e a partir de 1930 a eficácia da Lei Seca começou a ser discutida com mais intensidade. Em plena Recessão, o país ainda vivia um intenso caos social e financeiro, e os administradores começaram a suspeitar que o demônio da bebida não era tão feio quanto se pintava, e que o excesso de proibições poderia acabar levando o país à estagnação total.

Uma das pautas de discussão era a urgente retomada do crescimento, o que efetivamente viria a acontecer em alguns anos. De 1930 até 1932, o presidente Herbert Clark Hoover tomou uma série de medidas dentro da esfera econômica e financeira que começaram a recolocar o país no seu devido lugar. Seu sucessor, Franklin Delano Roosevelt, proporcionou uma reforma bancária de grandes proporções que, aliada ao fim da Lei Seca, trouxe de volta os empregos e o crescimento.

É certo que em breve os Estados Unidos embarcariam numa outra turbulência com a explosão da guerra na Europa, mas o país já estava suficientemente maduro para não apenas resistir e subsistir, mas principalmente para assumir o comando do mundo livre numa batalha sem fronteiras contra o totalitarismo e a intolerância.

Os americanos estavam se preparando para serem os líderes do mundo.

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