quarta-feira, 21 de outubro de 2020

 


O ENCONTRO

Augusto Pellegrini
(excerto)

 

O táxi está suando, e eu estou suando dentro dele. O carro é antigo, e o ar é descondicionado.

O tempo está parado, como uma fotografia.

Logo agora, todos os sinais de trânsito ficam vermelhos e todos os motoristas de fim-de-semana resolveram sair para dar a sua voltinha.

Logo agora, todos os cachorros e todos os transeuntes cismam em cruzar vagarosamente a rua bem na frente desta carcaça automotiva, como se nada mais existisse adiante ou na retaguarda – “sempre alerta!” – e até os escoteiros cismam em acompanhar todas as velhinhas ao longo de todas as avenidas – e eu disse ao longo, não transversalmente.

Pior do que ser escoteiro é ter um pai escoteiro (devo ter ouvido isso em algum lugar, pois é uma frase brilhante, e eu não sou brilhante assim).

Este motorista palerma de bigode mal aparado não passa de dez quilômetros por hora para não tocar o auto em cima dessa gente toda, incluindo o motociclista que faz zigue-zague na frente do carro tentando achar uma saída e os insetos que se escondem nas fendas do leito carroçável (detestável, esta expressão!).

Afinal, no trânsito dos países em convulsão os tanques de guerra fazem isso com uma precisão mórbida e ninguém reclama – rádio, jornais e noticiosos de televisão apenas comentam à guisa de curiosidade.

Mas contra os tanques existem os lança-chamas e para mim já basta o calor deste dia e desta ardente espera.

O relógio caminha apressado, e tudo indica que o programado encontro se transformou numa angustiosa ausência ou em justificativas destituídas de romantismo.

E vem o calor desta dúvida – valeu mesmo a pena apanhar este táxi?  

 

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