sábado, 27 de fevereiro de 2021

 


A CORDA
(Augusto Pellegrini)

 

A corda.

A corda balança como se na outra extremidade habitasse um cadáver. Um fio de prumo no prumo, dependurado, fixado lá no alto do prédio, passando em frente da janela que é só vidro, no décimo-primeiro andar, altura suficiente para o homem sentir as sensações de Ícaro, projetar-se nos ares, voar sem asas.

Eis a corda.

A corda balança ao sabor do vento e bate na parede corrugada de concreto ao lado do fio do telefone e do para-raios prendidos com grampos.

A corda está arrebentada, criminosamente arrebentada na altura do décimo-primeiro andar, mas puxada para baixo pelo peso do morto enquanto vivo agora prende frouxa até o nono.

E o andaime, lá em baixo, aos pedaços.

            -o-o-o-

De repente, a corda se distendeu mais do que devia e depois afrouxou. Ao mesmo tempo soou um grito, parecia uma sirene, foi se distanciando e terminou com um baque sinistro. Lá em baixo, um corpo retorcido no solo, esborrachado como um tomate.

           -o-o-o- 

“Eu fui pra praia sexta-feira à noite” – explica Zacarias. “A noite estava clara, quente, e eu suarento. Peguei minha roupa de banho e de baixo, apanhei o ônibus e fui pra praia. Não tenho testemunhas, mas estava lá. A praia estava quente, clara, e eu suarento. Era noite, mas mesmo assim tomei um banho de mar – você já fez isso? – é uma beleza! As ondas estavam altas, a orla deserta e a água subia até o fim da areia, a lua parecia maior no seu contraste com o céu de fundo negro. Água de coco gelada, cheiro de mar”.

“Tudo estava maravilhoso, eu havia até esquecido meu apartamento com meus livros, minhas gravuras, meus anjos de porcelana, meus problemas. Mas uma armação de madeira, dessas enormes feitas para colar cartazes, trouxe-me à mente o meu drama”.  

“Estão pintando o lado de fora do edifício onde moro, onde montaram uns andaimes de madeira e corda pra acomodar os pintores com as suas tintas. Existe inclusive uma corda descendo na vertical bem em frente à minha janela. Uma corda grossa, cheia de nós, para segurar a madeira e o pintor sentado nela”.

“Fugi de casa e fui pra praia porque estou ficando maluco”, continuou Zacarias. “Cada vez que olho a corda penso escutar a polícia batendo na minha porta para me levar aos berros pelo corredor cheio de eco, me atirando no elevador e depois numa cela, ditando a minha sentença”.

“Cortaram a corda, professor, cortaram a corda bem na cara da minha janela!”.  

 



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