segunda-feira, 5 de março de 2018






O FANTASMA DA FM

(Conto publicado em 1992 no livro “O Fantasma da FM”)

(Parte 2)

Todas as madrugadas ele vasculha as salas vazias e os móveis abandonados à procura de Adalgisa, da voz de Adalgisa, do encanto de Adalgisa.
Ele deixa em seu caminho sem matéria as plantas agitadas, o vidro estremecido, o porteiro cheio de cismas e as escadas ainda mais frias, enquanto esbarra na cortina que balança sem motivo e deixa entrar pela janela uma fresta de luar.
Ainda outro dia a energia faltou e o porteiro teve que colocar três ou quatro velas acesas pelo corredor, enquanto Adalgisa desligava os botões do painel de áudio e ia se esconder na recepção, mas ele não a viu, e na sua passagem em direção ao estúdio não passou de um halo invisível a perturbar a luz bruxuleante das velas, que se agitou como alma penada.
Aristides conjeturando que (como pode?) as velas pudessem apagar sem vento e sem corrente de ar e que a cortina se entreabrisse para deixar a luz da lua penetrar muito intensa, como um raio prateado, iluminando uma sombra branca que se apoiava na porta como se estivesse olhando para dentro do estúdio deserto de vida, deserto de luz e deserto de som.
Aí um frio lhe passou pela espinha dorsal como o aço de um punhal e as pernas tremeram, o suor porejou a fronte e o calor repentino veio justificar a ausência momentânea do ar condicionado central, os joelhos fraquejaram e a mão, que empunhava uma lanterna a pilha ajustou a direção para que o facho de luz coriscasse sobre aquele vulto com formato de gente que se perfilava junto à porta como uma sentinela, mas encontrou apenas o batente nu e a maçaneta em repouso.
Lá embaixo o telefone toca, estridente – maldição! – e o farolete quase lhe cai da mão, o coração quase lhe sai pela boca enquanto ouve a voz de Adalgisa atender – “alô!”.
Aristides desceu as escadas de dois em dois saltos, se arriscando a rolar pelos degraus abaixo e quebrar o pescoço, e não percebeu que alguma coisa também descia ao seu lado, deslizando como um fluido, para cruzar a recepção e retornar ao jardim onde as plantas o aguardavam, enfurecidas.
A energia é restabelecida e a iluminação voltou. Adalgisa se apressa em subir a escada para recolocar a emissora no ar.
Aristides se afunda na sua cadeira e fica pensativo, tamborilando os dedos na mesa vazia, o telefone fora do gancho para evitar um novo susto e a camisa empapada de suor.
Lá fora, as plantas se alvoroçam, enfurecidas.

SEGUE

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