segunda-feira, 20 de julho de 2020





AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 5 - O SONHO
(continuação)

Washington D.C. era uma cidade importante, posto que capital do país, mas não oferecia os atrativos que Ellington gostaria de ter apreciado na sua adolescência, como aqueles que ouvia falar existirem em Chicago.
A vida da cidade era pacata, e Duke dividia o seu tempo entre os estudos regulares da escola pública que freqüentava, as aulas de piano e o culto da Igreja Batista, aonde ia aos domingos, às vezes com a família, às vezes sozinho.
O fato de tocar piano razoavelmente bem aos quatorze anos fazia com que ele se sentisse um artista à procura de uma platéia. Assim, depois da escola, ele circulava pela cidade levado pelas tentações e pelos amigos, procurando saber das novidades e das possibilidades de demonstrar o seu conhecimento e talento musical.
Um dos pontos de convergência da turminha era o salão de bilhar de Frank Holiday, um antro de desocupados pouco apropriado para menores. Foi lá que ele conheceu Isaac Preston, um garoto um pouco mais velho que dizia frequentar um local próximo à zona central da cidade onde se tocava uma música que seria certamente do seu agrado, possuindo no seu cardápio bebida, piano e coisa e tal.
O local era um cabaré chamado Gayety Burlesque Theater, onde podiam ser apreciados diversos shows de variedades que começavam à tarde, com ventríloquos, sapateadores, bailarinas e cantores se apresentando ao som de um pianista que executava ragtime.
Isaac era realmente fascinado pelo “coisa e tal”, mas Duke se encantou mesmo foi com o piano, a ponto de ficar debruçado o mais próximo que lhe era permitido para ver de perto os dedos do pianista deslizando sobre o teclado as músicas de Scott Joplin, Tom Turpin, Joseph Lamb e James Scott.
As idas ao Gayety foram fundamentais para que Ellington se decidisse de uma vez por todas que ele seria um músico no futuro. A partir daí, dedicou-se cada vez mais ao estudo do piano e a ouvir suas músicas prediletas do jazz de Nova Orleans através do rádio ou dos discos que conseguia obter.
Antes de completar dezoito anos, Ellington já havia organizado em Washington a sua primeira banda, The Duke’s Serenaders, que tocava o ragtime e a música popular da época que a sociedade local gostava de ouvir nas suas matinês e soirées dançantes.
O primeiro encontro real de Ellington com o jazz tradicional de Nova Orleans aconteceu quando ele teve a oportunidade de presenciar a apresentação de um jovem clarinetista chamado Sidney Bechet tocando com sua banda no Howard Theater, ainda em Washington D.C.
Ellington foi sozinho ao teatro, comprou seu ingresso com o dinheiro que Daisy lhe dera e sentou-se na ala do teatro reservada para os negros, que não proporcionava a melhor visão do palco. Mesmo assim, ficou emocionado com o que viu e ouviu.
Era a primeira vez que ele tinha contato “ao vivo” com músicos nascidos no sul, e lhe pareceu que todos eles, especialmente Bechet, tocavam com a alma e o coração, não apenas com os sentidos normais de qualquer músico.
A apresentação de Sidney Bechet marcou profundamente as suas emoções. Duke falou com seus pais sobre o desejo de tentar a carreira de pianista profissional em algum lugar que lhe desse melhores condições de se desenvolver, e eles concordaram com a sua pretensão.
Meses depois, antes de completar vinte anos, Duke partiu para Nova York em companhia de dois amigos de infância, Sonny Greer e Otto Hardwicke, que tocavam bateria e saxofone na Duke’s Serenaders. Os três partiram, e a Duke’s Serenaders encerrava ali as suas atividades.
Com pouco tempo de Nova York, Duke e os amigos já se integravam no ambiente musical da cidade, fazendo parte de uma formação local.
Duke incorporara de vez o ragtime nas suas primeiras apresentações ao piano, que também incluiam o estilo piano stride, uma forma de tocar cheia de dedos que ele teve a oportunidade de conhecer no Harlem, apresentando uma fluência e um ritmo alucinantes para a sua pouca experiência. O stride seria pouco depois imortalizado não por ele, mas pelo mestre-pianista Willie “The Lion” Smith, de quem Duke se tornou amigo.
Ellington também conseguiu incorporar com maestria o sentimento do blues que ele absorvera através da música de Louis Armstrong.
Mas a nova banda era ainda incipiente e, apesar de musicalmente correta, pecou pela inexperiência profissional. Após alguns percalços naturais, que incluíram o calote de agentes e empresários, Ellington teve que rever seus procedimentos e recomeçar seu trabalho, assumindo o comando, trocando alguns músicos e batizando o grupo com o nome de The Washingtonians, estreando em 1923 num porão chamado Hollywood Inn, que ficava perto do Times Square.
Ao lado de Greer e Hardwicke e dos novos companheiros que encontrara em Nova York, Ellington começou um trabalho sério e planejado, contando também com o apoio de um tal Irving Mills, um judeu filho de pais russos que acabou sendo seu parceiro por muitos anos. Mesmo não sendo músico, Mills desde jovem se envolvera com a música, e na qualidade de produtor, letrista, escritor de shows e empresário foi de enorme valia para Duke Ellington. Mills, que às vezes adotava o pseudônimo de Joe Primrose nas suas composições, foi o responsável pelo debut da orquestra de Ellington no famoso Cotton Club, uma verdadeira façanha, considerando a fama do local e o pouco tempo de exposição do grupo. (Comenta-se que, por ter sido um grande parceiro na divulgação e na direção dos trabalhos da orquestra, Irving Mills teria tido o seu nome incluído como parceiro de algumas músicas de Ellington, apesar de não ter efetivamente participado da composição).
Duke Ellington estava se preparando para o mundo e, mais do que isso, estava preparando o mundo para ouvi-lo.
Durante toda a sua carreira ele provaria o seu talento, mas seria por outro lado mal compreendido por algumas pessoas que consideravam sua música por demais sofisticada e complicada para ser jazz, entre elas o produtor John Hammond, um jovem milionário branco que apostava em músicos e orquestras negras.


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