sábado, 25 de julho de 2020





AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 6 – A EXPANSÃO MUNDIAL DO SWING

De acordo com declaração feita por um porta-voz cultural do Consulado Geral dos Estados Unidos durante uma palestra ministrada no Rio de Janeiro na década de 1980, “A história da música popular dos Estados Unidos da América é uma tapeçaria musical rica e variada. Blues, jazz, swing, country, soul, folk, bluegrass, rock and roll, rhythm & blues, gospel, jazz-rock, funk, hip-hop e rap – todos estes estilos se espalharam pelo mundo levando alegria e consolo a um sem número de pessoas. A maior parte dessas músicas evoluiu a partir de uma raiz comum do blues – que, por sua vez, tem raízes nos cantos dos escravos negros do sul dos Estados Unidos, assim como na música da África”.
Para que o leitor entenda melhor este enredo, a partir dos antigos field hollers (trabalhadores que entoavam cantos com gritos e alteração no ritmo durante a execução do trabalho), das work songs (canções entoadas em um beat constante por trabalhadores braçais), e do primitive blues (canções de lamento também conhecidas como folk blues), foram surgindo outros tipos de blues, como os antigos country blues (ou rural blues),  archaic blues e cajun blues. Todas essas correntes se originaram na época do trabalho escravo e se desenvolveram depois da Guerra Civil (terminada em 1865) para se consolidar no blues do delta do Mississipi, representado por W.C.Handy, Charley Patton, Willie Brown, Blind Willie Johnson e Robert Johnson, entre outros, e mais tarde no blues de Chicago, com Muddy Waters, Willie Dixon, Howlin’ Wolf, T-Bone Walker, John Lee Hooker e B.B.King. Mas o blues adquiriu a sua característica urbana no início do século vinte, quando foram experimentadas incursões blueseiras mais modernas, fazendo surgir o classical blues (da forma como ele era interpretado pelas “cantoras de blues” – Gertrude “Ma” Rainey, Mamie Smith, Bessie Smith, Lucille Hegamin, Ethel Waters, Alberta Hunter, Edith Wilson, e outras) e uma variante que conduziu ao boogie-woogie durante os anos 1920-1930 (com os pianistas Jimmy Yancey, Pete Johnson, Meade Lux Lewis, Albert Ammons e outros). A seguir, na década de 1940, surgiu o rhythm & blues, uma espécie de precursor do rock and roll, pontificando Louis Jordan, Big Joe Turner, Jimmy Whiterspoon, Roy Brown, Billy Wright, Wynonie Harris e Paul Williams, entre outros.
Anos depois, a música negra deu um grande salto, abraçada que foi pela gravadora Motown, fundada por Barry Gordy em 1959 com o nome de Tamla Records e fazendo crescer o soul nos anos 1960 com um catálogo congregando artistas dos mais respeitáveis – The Four Tops, Marv Johnson, Marvin Gaye, Aretha Franklin, Stevie Wonder, James Brown, Isaac Hayes, The Isley Brothers, Commodores, Diana Ross & The Supremes, The Temptations, The Jackson Five, Billy Paul, Otis Redding e outros mais – para depois desembocar no funk e nos ritmos dos guetos nos anos 1970 e 1980 e no hip-hop e rap dos anos 1990 e 2000.
As modificações impostas no ragtime pelos pianistas do jazz de Nova Orleans provocaram por sua vez entre 1900 e 1917 o aparecimento do stomp de Nova Orleans, também chamado por alguns estudiosos de primitive jazz ou traditional jazz, que se transformou entre 1917 e 1926 no dixieland e no estilo  chicago, também conhecidos como oldtime jazz. Os músicos deste período – Buddy Bolden, Jelly Roll Morton, Freddie Keppard, Joe King Oliver, Louis Armstrong, Kid Ory e tantos outros – são historicamente os verdadeiros mentores de todo o jazz que viria dali pra frente.
Mais tarde – de 1927 a 1934 – aconteceu o período denominado pre-classical, com o abrandamento do jazz tradicional e o surgimento do swing, ao qual foi atrelado o estilo kansas city.
Graças a figuras como Louis Armstrong, Roy Eldridge e Coleman Hawkins, o jazz tradicional vivenciou uma espécie de renascimento no período de 1935 a 1945 e foi cultivado ao lado do swing, período em que os estudiosos chamam de classical jazz.
Ao mesmo tempo, no início dos anos 1940, chegava o bebop, dando início a um outro período, conhecido como modern jazz. Tudo sem prejuízo do swing que continuaria se desenvolvendo até meados dos anos 1950.
Desta forma, todas as tendências provenientes do blues e do ragtime propiciaram o crescimento desta frondosa árvore musical, que vai do stomp ao swing e do swing ao  bebop e seus derivados – cool jazz, hard bop, west coast, east coast – seguindo com o progressive, o third-stream, o mainstream, o funky e o free jazz, e caminhando logo depois para diversas outras direções, com derivativos para o smooth jazz, o latin jazz, o jazz fusion, o ska jazz, o acid jazz, a world music e todas as experiências surgidas no século vinte.
É estranho que um país com toda esta diversidade musical tivesse que construir a sua história a partir do nada, contando apenas com o que lhe fora passado pelos colonizadores e pelos escravos trazidos do continente africano, posto que a matéria prima local – os nativos do território americano – praticamente em nada contribuiu para a sua consolidação musical.
Partindo de pontos isolados, a música americana começou a se moldar definitivamente a partir da metade do século dezenove, principalmente através da disseminação do blues primitivo, quando ele abandonou as origens dos campos da plantação de algodão e das construções das ferrovias para se fixar nas cidades. A urbanização do blues contribuiu para tirá-lo do anonimato junto com seus cantores e foi um passo decisivo para que houvesse um contato definitivo entre o blues e os músicos que tocavam nos salões e nos cabarés.
O blues, ao trazer a sua estrutura para as principais cidades do sudoeste americano, foi a peça fundamental que faltava para unir uma série de elementos que existiam isoladamente, mas que não conseguiam se consolidar. A música americana tinha os tijolos, as pedras e os ladrilhos. O blues foi a argamassa que apareceu para juntar todos estes elementos, se constituindo na matéria prima de uma arte musical que iria futuramente representar os Estados Unidos em todo o mundo.
A absorção dos elementos do blues pelos músicos urbanos foi rápida e eficiente. Em pouco tempo o blues tomava conta do panorama musical do sul do país, notadamente na Louisiana e estados vizinhos, seguindo rio acima, por toda a região próxima ao Mississipi, chegando até às cidades onde o ragtime era cultivado, como Kansas City e Saint Louis. Assim, blues e ragtime se encontraram e impuseram a cultura musical negra mesmo nas áreas mais brancas fora dos arredores de Nova Orleans, e o jazz, ainda sem ser conhecido por este nome, já começava a ganhar espaço em diversas regiões do território norte-americano.

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