sexta-feira, 24 de julho de 2020





POR TRÁS DO VIDRO
(Augusto Pellegrini)

Olhando pro vidro eu vejo
A imitação de mim mesmo
Traz o mesmo olhar sem pejo
A mesma pele e o mesmo pelo

Meus gestos são repetidos
Ele faz tudo o que eu faço
Por deboche ou amoralismo
Desfaçatez ou descaso

O boné de cor incerta
E a tatuagem no braço
São modismos de estação
Como a pulseira de aço

Faço careta, ele imita
Tudo bem sincronizado
Faço gestos esquisitos
Tentando ser engraçado

Isto é muita coincidência
Ou está bem ensaiado
Tudo que eu penso ele pensa
Ele faz tudo o que eu faço

Franzo a testa, cerro o cenho
Fecho os olhos, mostro a língua
Faço todos os trejeitos
De quem caçoa ou se vinga

Mas de repente percebo
E finalmente me acho
Que além de bancar o cego
Faço papel de palhaço

Pois o ator que me faz chiste
Sou eu mesmo, feio e velho
E o vidro no qual me fito
Não é mais que um grande espelho

2018

(baseado no conto “Do outro lado do espelho”, escrito em 2013)



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